Queridos e queridas, estou de volta!
E a coluna de hoje trata sobre um assunto delicado, mas que traz consigo uma discussão essencial quando pensamos no futuro dessa indústria: a importância da saúde mental dentro do mercado da música eletrônica. Uma pauta que muitos evitam tratar sobre, mas o quanto antes deixar de ser tabu, maiores as chances de criarmos uma cena acolhedora e encorajadora para todos, independente da área.
Mas, antes de começar, queria deixar claro que não é meu lugar de fala entrar nos quesitos médicos e psicológicos da saúde mental. Sou publicitária, não médica. Então nesse texto, não falarei o que você deve ou não fazer, ou o melhor remédio para dormir tranquilo. Aqui, procuro me aprofundar na importância de manter uma boa saúde mental quando se trabalha no mercado. OK?
Então vamos lá.
Gostaria de trazer como exemplo o caso do Avicii. Um gênio, e uma grande perda à indústria. Em 2012, no auge do seu sucesso e fama, ele foi hospitalizado por uma pancreatite aguda causada pelo alcoolismo. Em 2016 sua saúde piorou muito devido ao estresse constante pelo trabalho, o que o fez desenvolver a síndrome de burnout, que por consequência, o levou a uma forte crise de depressão, síndrome do pânico e ansiedade. Com o passar dos meses, ele gradualmente se aposentou das performances ao vivo. Nesta época, passou por diversos tratamentos psiquiátricos mas acabou desistindo de continuar e isolou-se em sua casa. O que aconteceu depois, vocês já sabem.
O caso do Avicii mostra, em primeiro lugar, que fama e sucesso nenhum levam à vida perfeita. Longe disso. Não só Avicii, mas também Michael Jackson, Amy Winehouse e tantos outros artistas que alcançaram o ápice da fama mas sofriam muito com o estresse, ansiedade, depressão e diferentes outros problemas relacionados à saúde mental.
Uma parte considerável da sociedade atual apresenta problemas diretamente relacionados à saúde mental. E quando foco no mercado da música eletrônica, vejo pessoas incríveis, com potenciais absurdos, super inteligentes mas que também estão sofrendo. E o pior, muitas vezes sofrem sozinhas, exatamente por ser um assunto com tanto tabu envolvido. E aí existe um grande perigo: o sentimento de solidão e desamparo que deriva da falta de um ambiente aberto e acolhedor que possa ajudar e prevenir ansiedades, estresse exorbitante e depressão. E essas são questões que não somem com sucesso nenhum, com dinheiro nenhum, e muito menos com um estalar de dedos.
A realidade, é que em tempos normais (sem a Covid-19) nós dormimos pouco, nos estressamos muito e ficamos ansioso com os nossos projetos, o que pode desencadear um consumo de energia e paixão pelo o que faz. Atualmente, com a Covid-19, o cenário pode piorar. Isolamento social, planejamentos parados, medo e inseguranças potencializam ou desencadeiam transtornos relacionados à saúde mental. E, mais uma vez, o assunto torna-se essencial para debate.
Quando trato de saúde mental, logo faço um link com o conceito de Segurança Psicológica, estudado persistentemente pela psicóloga Amy Edmondson e abordado em seu livro The Fearless Organization (2018).
Resumidamente, Amy diz que é impossível saber quando uma pessoa está escondendo algo: se ela ou ele está passando por algum momento delicado relacionado à vida pessoal ou, até, se tem alguma ideia legal mas a diz em voz alta por medo ou vergonha. Devido à isso, líderes de empresas tem a responsabilidade de ajudar nessas condições para um melhor desempenho de equipe. E, quando traduzimos o conceito para o mercado da música eletrônica, percebe-se a responsabilidade que um agente, manager, tour manager, “chefe” ou sócio têm diante de seus artistas, equipe ou parceiros de trabalho.
Mas, afinal, o que faz uma equipe ser uma ótima equipe (em questão de produtividade e resultados)? De acordo com o Projeto Aristóteles (um projeto feito pelo Google), existem dois fatores: (I) Participação igualitária nas conversas e (II) Sensibilidade social. E isso está estreitamente conectado com a segurança psicológica e, logo, com saúde mental.
Quando inserido em um ambiente com um time de trabalho que te apoia, te dá lugar de fala, te empodera, que debate de forma amistosa e que abre espaço ao diferente, você se sente mais seguro psicologicamente (seja em agências de booking, agências de management ou produtoras de eventos). E isso ajuda você a segura a barra que é trabalhar no mercado da música eletrônica.
Além disso, segurança psicológica e saúde mental levam a um maior desempenho e maior produtividade. Isso acontece porque ao cuidar da sua saúde mental, você não dá espaço pra essas coisas te afetarem no nível de te paralisar. E, assim, você tem espaço pra brilhar. Surge tesão em fazer o que faz.
Uma coisa é fato. Independente do tamanho do artista, do produtor de eventos, do manager, do booker, do tour manager (entre outros), muitos sofrem com o mesmo problema: a pressão. Pressão em fazer bem feito, em acompanhar o mercado, em não desapontar o público, contratantes ou artista. E não se culpe por isso. É normal que a pressão tome conta do corpo, mas não é saudável se deixar levar por ela. Por isso, atente-se aos sintomas, e não se sinta menos capaz por não saber lidar com a pressão de forma tranquila.
Uma questão sobre artistas que acho importante pontuar é a linha tênue que existe entre ser pessoa comum e ser artista. Muitas vezes, ambos se confundem. Nas redes sociais, no palco, nas entrevistas… essa é a imagem artística, que é muito diferente da mesma pessoa em um almoço de família ou bebendo uma cerveja com os amigos. E porquê isso se relaciona com saúde mental? Pois diferenciar essas duas auto-imagens pode ser desafiador e, às vezes, necessita da ajuda de terceiros (manager, amigo, parente ou terapeuta). Não é todo mundo que consegue de forma rápida e indolor se posicionar de formas diferentes em ambientes diferentes.
Por último, mas não menos importante, queria citar a questão das drogas dentro desse mercado. Eu sou a última pessoa para dizer “não tome drogas”, então vou deixar o discurso hipócrita de lado. O fato, é que muitas vezes as drogas são usadas como uma escapatória falsa que evita com que a pessoa encare problemas mal resolvidos, e o uso excessivo e/ou fora de contexto pode, sim, desencadear problemas de saúde mental.
Quero terminar dizendo que todo mundo precisa de uma boa saúde mental e segurança psicológica, não só por si mesmo, mas também pelas pessoas ao redor. Estando bem e estando feliz, ajudamos as pessoas a nossa volta a ficarem bem e felizes também. Vamos nos cuidar? :)
Quem quiser, dá uma olhada no vídeo:
Sobre o autor
Lisa Uhlendorff
Do marketing à produção de eventos e agências de booking. Sou dessas que gosta de fazer um pouco de tudo - com sede de conhecimento, amante dos livros e apaixonada por pessoas e lugares. Morei em Amsterdã e em Barcelona me aventurando no mundo da música eletrônica underground. Hoje, trabalho na M-S Live e na ARCA, em São Paulo.