Um dia desses, vendo a entrevista do Play EDM com o Vintage Culture (sem querer fazer merchandise, mas já fazendo, veja a entrevista no final desse artigo), Lukas falou uma coisa que me fez refletir e perceber qual o rumo estamos tomando na cena eletrônica mainstream mundial. Ao ser perguntado como é trabalhar com os novos talentos do Brasil, no caso falando do DJ/produtor Ricci especificamente, Vintage diz: ”O Ricci pra mim foi uma descoberta muito legal, eu o acho um super talento. Porque hoje no mercado da música a gente vê muitos bons produtores, muitos bons DJs, mas ele, além disso, compõe as músicas… E eu acho que o futuro da música é um DJ super completo, como o Calvin Harris: aquele cara que vai cantar, que vai tocar, se apresentar.…”.
Com essa frase, uma ficha caiu pra mim. Estamos passando por um novo momento, uma nova transformação dos artistas eletrônicos, pelo menos a meu ver. Transformação (ou podemos chamar de evolução(?)) essa que começa lá atrás, com o surgimento da figura do DJ e chega até o momento atual, com os produtores no nível (incrível) em que estão.
Lá nos anos 70, com o nascimento das discotecas, surge uma figura até então não muito conhecida por trás das cabines: o DJ, o cara que fica ali, no canto, escolhendo a música que vai tocar em seguida na pista. Naquela época, era apenas um contratado pela casa responsável por guiar a trilha sonora da noite. Na maioria das vezes, nem aparecia para o público. Ficava ali, no canto, escolhendo a música certa para a hora certa e fazer a night “bombar”.
Com o passar dos anos, o (merecido) reconhecimento foi sendo recebido, afinal, todo mundo já sabe da fórmula: o DJ faz a festa acontecer. Se a música é ruim, não tem quem aguente ficar mais que alguns minutos na pista. Se é boa, por outro lado, a pista bomba, assim como o evento como um todo. A casa fica cheia, o bar fatura, o evento lucra e é um sucesso. Além disso, as pessoas estão mais propensas a voltar a essa casa se tiveram bons momentos lá. A fórmula parece ser simples, mas sua relevância é gigante. Seja para o público, quanto para o contratante. Com isso, os DJs passam a praticamente virar celebridades. Começam a ter destaque, um nome conhecido devido à grande exposição e uma legião de fãs. Eis que entramos na etapa dois do movimento.
Com esse crescimento, tivemos a evolução dos até então “escolhedores de música” para o status de DJ. Esse DJ passa mais tarde aos status de DJ/Produtor, ou seja, o DJ, além de tocar nas festas, produz as próprias músicas e faz suas próprias versões para as músicas dos outros (versões essas conhecidas como remixes/bootlegs/edit). Eis o surgimento de um novo termo para esse profissional: artista. Esses artistas passam seus dias “úteis” trancados no estúdios, e nos finais de semana atacam os CDJs e lotam as pistas. A apresentação deles não é mais um simples set, é um show. Para quem já é mais conhecido, inclusive, esse show inclui iluminadores, VJs e técnicos de som. É um verdadeiro espetáculo. E com isso temos a receita para a meteórica ascensão da música eletrônica no mundo, como vimos nesses últimos anos. A cena se profissionaliza de uma forma incrível. DJs começam a popularizar-se, utilizando um trabalho massivo de marketing e redes sociais, começam a tocar em grandes eventos ao redor do mundo e aumentam exponencialmente seu cachê (que hoje em dia já chega, em alguns casos, quase na casa do milhão de dólares por uma única apresentação). Os artistas começam a participar de grandes festivais como headliners, e, inclusive, festivais unicamente voltados para a música eletrônica são criados nesse meio tempo (Ultra e a Tomorrowland por exemplo). A indústria eletrônica vira uma indústria bilionária. Mas, será que isso representa que chegamos no topo? Pelo que parece, não estamos nem perto ainda. Eis que chegamos na fase três.
A música eletrônica possui hoje uma quantidade enorme de fãs, artistas mundialmente conhecidos e reconhecidos, grandes festivais e incríveis profissionais. Está na hora do mundo como um todo virar os olhos para isso. Aí se encontra a ficha que caiu pra mim na entrevista. Atualmente, os artistas eletrônicos estão saindo cada vez mais de trás das CDJs. Eles estão se tornando profissionais super completos. Violão, piano, voz, composição, os caras estão mostrando pro mundo que, acima de tudo, são músicos também. Esse é um movimento importantíssimo pois quebra um preconceito totalmente estereotipado que o DJ é apenas um ‘’apertador de botão” e não sabe nada de música. Pois é, o mundo deu voltas e hoje em dia esses artistas do botão estão trocando-o por instrumentos. O DJ hoje, além de tocar e produzir (fórmula essa que já virou obrigação atualmente, salvas raras exceções) toca violão, ou piano (se não os dois), compõe, canta, faz de tudo e mais um pouco. E ai vem o reconhecimento da indústria musical como um todo: “Ei, não é que esses caras realmente sabem fazer música?!”. Ganharam o status de artistas pop. O Calvin Harris já vinha tornando o eletrônico pop há algum tempo, basta ver todos os seus hits passados, mas, na minha opinião, era ainda um lobo solitário na cena. Agora que os artistas começaram a rumar de verdade nessa direção.
No início desse que podemos chamar de movimento, Skrillex e Diplo (Jack Ü), por exemplo, fazem uma música com o ídolo pop Justin Bieber. A trilha figurou no topo das maiores listas ao redor do mundo e tomou as rádios de assalto, virando uns dos grandes do hits de 2015. Em 2016, o duo The Chainsmokers criou uma música que também trilhou o caminho comercial, e que, pra mim, mudou muita coisa nesse jogo. A “Roses” de Drew Tagggart e Alex Pall foi assinada por uma das maiores gravadoras do mercado, a Sony Music (mesmo que por um de seus braços, a Columbia Records), e passa a figurar em playlists de, olhem só, músicas pop. O sucesso, como todos viram, foi gigantesco. É claro que não foram só os já fãs de eletrônica que escutaram a música. Obviamente, o alcance foi geral e mundial.
Os artistas eletrônicos, atualmente, estão sendo vistos como músicos, assim como qualquer banda ou cantor/cantora. O mundo finalmente reconheceu o tamanho e a relevância da “EDM”, e com isso está trazendo esse gênero mais para perto das pessoas, basta olhar as principais gravadoras fechando com diversos produtores eletrônicos. Nomes como Vintage Culture, FTampa, The Chainsmokers, Calvin Harris, David Guetta. Os artistas, cada vez mais profissionais e talentosos, respondem à altura.
Skrillex e Diplo tocando com o Bieber na apresentação do Grammy, um dos prêmios mais respeitos e assistidos no mundo todo: nada de pen-drives, um na guitarra e outro no ritmo, fazendo uma versão ao vivo de uma das músicas que mudaram suas carreiras. Drew e Alex quando tocam também ao vivo em programas de TV também passam longe dos mixers: um na guitarra (e ás vezes até na voz) e outro no piano!
Para ter noção da dimensão desse movimento, e o quão importante ele está sendo para os produtores, o último episódio do “ The Martin Garrix Show“ (episódio 6) foi bastante (basicamente inteiramente) pautado em mostrar como Martin Garrix (hoje DJ número 1 do mundo, segundo a polêmica revista DJ Mag) está trazendo suas produções para o pop (no caso, a “ In The Name Of Love”). Garrix, para quem não ficou sabendo, fechou recentemente com a Sony Music para seus singles de trabalho. Junto com isso, ele mostra como está sendo o trabalho de divulgá-las em programas de TV (assim como outros artistas da música em geral) através de uma versão live, aonde os artistas se apresentam em rede nacional. É incrível como essa prática está virando cada vez mais comum. Saem os CDJs, entram os amplificadores e microfones. O Alok, por exemplo, esteve há alguns dias no programa do Danilo Gentili, no SBT. Os artistas estão mostrando que estão cada vez mais completos, e querem que o mundo veja isso. A prática está cada vez mais comum. O Cat Dealers, em parceria com o outro duo, Evokings, lançaram recentemente uma versão de banda de seu último hit “Gravity”. Na gravação: piano, guitarras, bateria e voz, nada de pen drive.
Alguns DJs, inclusive, estão indo mais fundo nessa linha, e deixando de vez as pickups de lado. Madeon e Porter Robinson, por exemplo, fazem uma linda e incrível turnê juntos, tocando instrumentos ao vivo e a cores, com uma superprodução de luz, palco e imagem. Piano, microfone, bateria, sintetizadores, eles tocam de tudo durante sua apresentação. Segundo os próprios, eles não pretendem voltar ao formato do “DJ-set” tão cedo. Um outro exemplo disso, pelo o que os indícios apontam, a nova tour de divulgação do álbum do Chainsmokers também será nessa linha. Eles inclusive convidaram músicos para se juntar ao time, o pianista e o baterista foram descobertos atráves de covers no youtube!
Por fim, a conclusão que quero chegar é na mesma da do Vintage; estamos sim com artistas cada vez mais completos e, na minha opinião, esse é, sim , o futuro. É provável que cada vez mais artistas sigam essa linha. Muitos, um pouco ainda na que podemos dizer “vanguarda” do movimento, já estão botando a mão na massa. O futuro que nos espera, pelo menos a meu ver, é impressionante e animador demais. Os artistas eletrônicos serão, cada vez mais, músicos super completos.
PS: A respeito da cena classificada como “underground”, minha leitura não engloba esse segmento por achar que temos na indústria uma diferença grande entre o mainstream e o underground, principalmene na questão da proposta musical, artística, e até cultural de cada cena. Acredito que o “low” irá continuar lotando (e muito) as boates e casas noturnas ao redor do mundo, espalhando cada vez mais a cultura do clubbingpara os amantes da house music. Mas, a meu ver (inclusive acredito bastante nisso), podemos ter algum artista desse segmento se popularizando nesses próximos anos. Porém, de qualquer forma, teremos, sim, artistas cada vez mais completos nesse segmento também, porém com uma proposta diferente da leitura do mainstream naturalmente.
Mas, acho que como qualquer discussão, meu ponto de vista pode não ser como o seu. Então, fica aqui o convite: O que você acha sobre esse assunto? Qual é a sua visão da direção que o mercado está tomando? Poste aqui nos comentários! ;)