Desde a adolescência eu tinha uma enorme vontade de participar de um festival de música eletrônica. Mas sei que não estava sozinha, esse desejo também deve ter feito parte da sua vida. Sim, você mesmo que está lendo esse texto. Sem nem nos conhecermos, ouso dizer que já tínhamos uma coisa em comum: a ideia de que estar presente num festival seria uma experiência mágica. Já se imaginou assistindo vários djs num grande período de tempo e ainda vivenciando um ambiente com lindas paisagens, estruturas marcantes e efeitos visuais modernos? Se sua resposta for sim, compartilhávamos do mesmo sentimento. Mas calma, esse interesse em estar numa multidão unida pela música é atemporal, pois a semente dos festivais foi plantada desde a Grécia antiga quando as pessoas se reuniam para assistir apresentações musicais de caráter competitivo. Ao longo do tempo, essa aliança foi crescendo e adquirindo espaço com o objetivo de promover somente entretenimento e apreciação do som.
Não é à toa que há anos os festivais têm ganhado força e conquistado cada vez mais os corações dos fãs de música eletrônica. Levando suas edições a diferentes lugares do mundo, essas festas gigantes promovem uma expansão da cena que une os amantes das diversas vertentes do eletrônico, tornando-se o ambiente certo para quem gosta de curtir música boa, se divertir, conhecer gente nova e deixar se levar pelas emoções do momento.
Eu mal pude conter a ansiedade quando percebi que ia experimentar pela primeira vez a sensação de fazer parte de um festival, um evento que une e envolve as pessoas. Demorei um pouco para decidir que realmente iria comprar o ingresso, pois precisava achar companhia, pensar no transporte, economizar uma grana. Mas como a vontade era maior que os obstáculos, em abril deste ano fui ao Electric Zoo Brasil. Ao pisar no festival, mergulhei de cabeça na vibe do ambiente e me mantive animada do começo ao fim. Vibrava com todos os djs ao ouvir minhas tracks favoritas e não acreditava que eu estava realmente vivendo todos aqueles momentos marcantes, parecia um sonho do qual não queria acordar. Mas logo no início uma chuva forte se fez presente no local, fazendo a terra tornar-se lama. Minha capa de chuva furou e não deu conta de me proteger, acabei molhando toda a minha roupa, e os ventos gelados faziam com que o frio cada vez ficasse mais forte. Encharcada e suja de lama, aguentei firme e percebi que mesmo com esses imprevistos nada mudou, estávamos tão felizes que nada nos atrapalhou, não saímos de perto do palco e dançamos a noite inteira debaixo da chuva. Gosto de pensar que aquela água caiu especialmente para batizar essa minha primeira experiência, para purificar meu corpo e elevar meus sentimentos. Era como um ritual de iniciação, no qual fui recebida de braços abertos. Senti até um gostinho de infância, estava acolhida, sabe quando não há nada com o que se preocupar? Era um ambiente cercado de pessoas que esqueceram seus problemas e estavam ali com um único objetivo: se divertir. Observar o tamanho gigantesco do palco, os efeitos técnicos de luzes, os fogos que explodiam no ápice do som... É quase impossível descrever a impressão... A vibe contagiante pulsava a sensação de alegria que preenchia meu coração: um sentimento único de conexão com a atmosfera que não tem explicação.
Hellem Cristina, 25, também sentiu isso ao participar do Ultra Brasil no Rio de Janeiro no ano passado: “Sabe aquela sensação de estar completo? De saber que algo faz parte de você e que se sente desta maneira porque isso te faz bem, te transmite um turbilhão de emoções e uma explosão de felicidade que mal cabe no peito e que você faz o possível para que isso se mantenha sempre presente em sua vida, porque não dá mais para viver sem? Pois é exatamente assim que me sinto em relação a música eletrônica. No Ultra pude entender o real motivo pelo qual escolhi a música eletrônica, pois me proporcionou momentos únicos. Me surpreendia olhar ao redor e perceber que eu estava em um lugar onde todos compartilhavam deste mesmo amor e estavam ali por um único objetivo, aproveitar ao máximo cada momento, apreciar a boa música, aplaudir seus DJs favoritos e deixar a emoção tomar conta. Até parecia que eu não estava vivendo aquilo, era difícil acreditar, mas era real, real o bastante para eu perceber que a música além de proporcionar momentos como estes também une as pessoas de uma forma mais pura e sincera, e exatamente por isso que tenho muito orgulho de poder dizer que formei uma família neste festival. Foram os dias em que jamais irei me esquecer e ficarão marcados pelo resto de minha vida. Voltei com uma bagagem repleta de momentos especiais que serão eternos. Ter a oportunidade de ter vivenciado o evento foi uma sensação de dever cumprido. ”
A verdade é que os festivais proporcionam sensações que, na maioria das vezes, superam as expectativas criadas e possibilitam uma experiência única, responsável por despertar diversos sentimentos que contagiam. Para Thiago Kawakami, 25, participar de um festival de música eletrônica, a Tribe, aos 15 anos de idade, foi inesquecível, mas outro evento foi responsável por proporcionar lembranças eternas. “Eu sempre fui apaixonado por música eletrônica, me interessei cedo e desde os dez anos de idade venho acompanhando esse universo. Afirmo com toda certeza que o evento que mais marcou minha vida e me encantou foi a primeira edição do Tomorrowland aqui no Brasil em 2015. Quando vi a notícia de que um festival daquele porte viria ao nosso país decidi na hora que precisava ir, aguardei ansiosamente e posso dizer que foi uma experiência única. Nunca tinha vivido aquilo em nenhum outro festival que já tinha participado; quando paro para pensar na grande proporção do evento, na logística de transporte das estruturas vindas da Bélgica, na montagem dos palcos, na quantidade de pessoas envolvidas que trabalharam para isso acontecer... É incrível. No momento em que estava lá fiquei encantado com tudo aquilo, parecia que estava em outro planeta, nada parecia realidade. Palcos imensos, shows pirotécnicos sensacionais, artistas de todo o mundo e todos os estilos... Foi fantástico, um momento único, inexplicável. Só quem viveu aqueles três dias sabe que foi pura energia positiva, pessoal curtindo junto, sem briga, gente do mundo inteiro se encontrando, muita festa e música boa” – revelou o jovem.
Mas um festival nunca é vivido da mesma forma, pois as energias se renovam e as experiências se transformam a cada festa em que se participa. A vibe muda, as estruturas mudam, porém o que jamais se perde é a vontade e a emoção de fazer parte da galera que marcou presença e que irá guardar aquela data para sempre. Marlon Marques, 25, explica bem a atmosfera de envolvimento dos festivais e que mesmo as dificuldades se toram motivos para boas aventuras: “Eu nunca tinha ido num festival só de música eletrônica, então participei da Tribe 15 anos em 2016 e percebi que lá era diferente de qualquer lugar fechado que já fui. Tanto na Tribe quanto em outros festivais dá para perceber que não há aquela questão de ‘quem pode mais’ nem de querer ‘ostentar’, isso foi um ponto que me ganhou, porque geralmente a galera do eletrônico gosta da vibe da pista, da sensação de euforia, alegria, pula-pula; tem gente que se joga na lama, as pessoas se libertam, ninguém fica tímido ou se contem, todos expressam fortemente a felicidade que estão sentindo. Então esse evento me marcou muito, um sentimento diferente, fiquei muito à vontade, ninguém te olha nem te julga, todos se abraçam, você conversa com pessoas que nem conhece... Tanto que mesmo com o trânsito parado devido à lentidão dos trens, a galera sempre muito simpática e convidativa, não desanimou, saiu dos carros e foi a pé, seguiu pra festa com a mesma vibe. Numa noite de céu estrelado com muita energia boa, estar em contato com a natureza não tinha preço. Depois desse evento não parei mais de ir em festival eletrônico porque é inexplicável, uma energia muito diferente de outros lugares”.
Pode parecer exagero para quem não conhece o poder de transformação da música eletrônica, mas participar de um festival provoca emoções que dificilmente sentimos no dia a dia, eleva-nos a diferentes estados e provoca reações que culminam numa energia positiva. Muitas vezes, até mesmo acontecem situações que nos mudam para sempre. De acordo com Vinicius Souza, 20, que cresceu ouvindo música eletrônica, o festival possibilitou a ele conhecer e encontrar um amigo que somente conversava por internet quando jogava games online na adolescência, e que posteriormente, tornou-se um de seus melhores amigos, o qual talvez não tivesse encontrado se não fosse por dividirem o mesmo amor pela música. “Escutando rádio, sempre ouvia o anúncio da Spirit e decidi que iria conhecer o festival. Chamei uma amiga, compramos os ingressos e fomos em outubro do ano passado. Ao chegar lá, de cara já me identifiquei e me senti em casa, não era o som que eu estava acostumado a ouvir, pois escutava a cena eletrônica de outra época, eu e meu irmão mais velho, que tentou ser dj, ouvíamos os caras das antigas, nos anos 90. Com o tempo fui perdendo esse costume e acabei indo para outros rolês de outros estilos musicais, mas não me sentia à vontade nem me adaptava. Mas a vibe dessa festa bateu em mim de uma maneira incrível, vários djs que eu não conhecia e hoje sou muito fã. Fui para conhecer o ambiente e saí de lá apaixonado, simples assim, fiquei do começo ao fim e não queria ir embora” – contou o estudante.
A experiência de imersão que um festival de música eletrônica proporciona faz com que você se entregue totalmente ao ambiente em que está, assim todas as pessoas criam uma espécie de ligação, pois tornam-se parte de um todo, uma força maior, na qual todas se entendem, independentemente de cor, religião ou qualquer outra característica. É possível cantar e dançar junto de desconhecidos, vibrar com aquela música que é especial na sua vida e perceber que ela também desperta sentimentos no outro. É compartilhar momentos indescritíveis e que podem ser superados a cada instante; acreditar no poder da música como veículo de união entre almas e mentes, conectando lugares e culturas, criando memórias inesquecíveis, além de gerar laços eternos.
Sobre o autor
Vitória Zane
Editora-chefe da Play BPM. Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música eletrônica <3