Com toda a situação que estamos vivenciando nos últimos meses devido à Covid-19, percebemos o aumento do interesse das pessoas em relação ao futuro. Incertezas e o ócio proporcionam um terreno ideal para questionamentos sobre o que vai acontecer nos próximos anos. Entrei nessa vibe futurista desde a minha primeira coluna para a Play BPM, sobre um futuro musicalmente fluido, e agora analisarei o futuro (presente) da estrutura do mercado. Irei percorrer por alguns tópicos: o fim da estrutura hierárquica e do emprego fixo, a importância do empoderamento dos funcionários e o uso benéfico de tecnologias no ambiente de trabalho.
Imagino que alguns estejam se perguntando como que tudo isso se conecta ao mercado da música eletrônica. Em primeiro lugar, importante lembrarmos que o esse mercado é um nicho do mercado de entretenimento (gigantesco), e estamos tratando de empresas, funcionários, prestadores de serviços, terceirizados, freelancers, entre outros. Em segundo lugar, nossa área segue uma estrutura muito parecida com a de outras indústrias – o que torna essa coluna interessante para, literalmente, qualquer um. E em terceiro lugar, se queremos uma cena nacional mais forte, devemos acompanhar o ritmo das mudanças.
Relativamente pouco tempo atrás, nos anos 1970, a sociedade vivenciou uma grande quebra de paradigmas: a Revolução Tecnológica. Indústrias, pessoas, estilos de vida, estruturas e mentalidades se transformaram drasticamente nos anos seguintes à Revolução. Antes vivíamos na chamada ‘Era Industrial’, momento em que a sociedade se comportava e se organizava de forma muito parecida a uma linha de produção de fábrica.
A estrutura industrial apresentava 4 características principais: era linear, segmentada, unidimensional e previsível (uma estrutura fordista, muito bem representada no filme Tempos Modernos do Charlie Chaplin). Basicamente, assim como em uma linha de produção, quem tinha a função de apertar parafuso, somente apertava parafuso; e quem tinha a função de limpar vidro, somente limpava vidro. De forma geral, os empregos eram fixos, com foco em uma só atividade. Caso fosse promovido, tornaria-se, por exemplo, o gerente dos apertadores de parafuso. Nada mais que isso.
Ao entrar na Era Digital, a sociedade se viu diante de uma estrutura descentralizada, que apresentava outras 4 características principais: não linear, conectada, multidisciplinar e muito imprevisível. O mundo se tornou dinâmico e extremamente acelerado.
“Mas Lisa, o que tudo isso tem a ver?”
Vocês já pararam para pensar na estrutura da empresa ou agência que vocês trabalham? Se me permitem dar um chute: provavelmente você tem um chefe; mas antes do chefe existe um supervisor para a sua área. Você faz praticamente a mesma função todos os dias. Tem horário para entrar, e horário para sair (pelo menos teoricamente existe um horário para sair). Você precisa da aprovação de alguém em algum cargo superior para colocar em prática projetos. E, talvez, o plano de carreira da sua empresa visa tornar um estagiário em CEO em 20 anos.
Basicamente, uma estrutura hierárquica. Fixa. Previsível. Linear. Unidimensional. Em outras palavras: uma empresa com estrutura industrial. Mas isso não te soa estranho em contexto da Era Digital?
Agora te pergunto: você acha que esse modelo industrial em um contexto digital se sustenta? Eu, Lisa, acho que não. E minha opinião se fortalece mais ainda quando vejo muitas startups que já operam em uma estrutura digitalizada e descentralizada – e o resultado é bem positivo, principalmente por abrirem um maior espaço para a criatividade e darem mais autonomia aos funcionários.
Ao migrar de uma estrutura industrial e hierárquica para uma estrutura descentralizada e digital, é essencial que o funcionário seja empoderado. Por empoderado digo: alguém que não tem medo de sair da caixinha, que se arrisca, que procura por inovação e, até mesmo, percorre por várias áreas diferentes.
Quando pensamos em funcionários mais empoderados, não é muito possível que estes já não se sintam confortáveis trabalhando com a mesma coisa a vida inteira e se dedicando a uma só empresa? Não seria mais interessante para eles navegar em novos mares, abrirem a própria empresa, ou até, várias outras empresas?Isso tudo já é realidade nos países desenvolvidos. Em poucos anos, aqui no Brasil, é muito provável que existam mais freelancers, autônomos e empreendedores do que trabalhadores fixos. Keep that in mind.
Mesmo com 21 anos, irei me usar de exemplo: estudei em uma excelente escola, mas que seguia um modelo industrial de educação (cadeira atrás de cadeira, sinal para entrar e sair, etc.) Quando comecei a trabalhar (o que não faz tanto tempo), tinha muito pé atrás com esse tal de empreendedorismo, e preferia construir uma vida dentro de uma agência de booking ou trabalhando como manager. Mas fui descobrindo, rapidamente, que essa não sou eu. Que meu maior medo era ficar presa a alguma empresa e não conseguir bater asas. Me deu uma vontade enorme de fazer um pouco de tudo, um tesão em descobrir o mundo navegando em vários mares. Tentar um pouco disso, um montão daquilo, e mais um tanto do resto.
E é agora que entra o último ponto: a tecnologia. Muitas pessoas veem a tecnologia como a causadora do desemprego. Mas na verdade, a tecnologia está aqui para ajudar. Empregos que serão extintos por tecnologias são empregos que já não se sustentam na Era Digital. A tecnologia emprega muito mais do que desemprega – ajuda a criar e inovar. Mas existe a responsabilidade de empreendedores e do Estado em empregar novamente aqueles que foram substituídos por robôs, máquinas ou inteligência artificial.
A tecnologia é um fator essencial quando pensamos em des-hierarquizar empresas. Nesse processo, fornecer informação e conhecimento de forma democrática para todos é extremamente importante. Com tecnologia as pessoas criam seu próprio conteúdo e podem crescer profissionalmente no mundo online sem precisar de um milhão de reais na conta ou de um currículo impecável.
E o que tuuuudo isso tem a ver com o mercado da música eletrônica?
Muitas agências de booking, produtoras de eventos, agências de management (entre outros) ainda seguem essa estrutura industrial. As maiores agências de booking do Brasil, por exemplo, seguem. Profissionais autônomos como managers, tour managers, marketing managers, social media (entre outros), então “em falta”. Não é que eles não existem, mas estão escondidos em algum lugar, em alguma empresa, com medo de seguir carreira solo.
Alguns empregos da nossa indústria tem uma chance grande de serem substituídos por inteligência artificial e máquinas… E aí, o que podemos fazer? A solução que vejo é empoderar a nossa galera, empoderar o mercado todo, para que todos tenham jogo de cintura e pelo menos o conhecimento necessário para, se quiserem ou precisarem, mudarem de profissão ou empreender.
Para crescer a nossa cena, essa mudança do modelo industrial para o descentralizado é, literalmente, ‘para ontem’.
Sobre o autor
Lisa Uhlendorff
Do marketing à produção de eventos e agências de booking. Sou dessas que gosta de fazer um pouco de tudo - com sede de conhecimento, amante dos livros e apaixonada por pessoas e lugares. Morei em Amsterdã e em Barcelona me aventurando no mundo da música eletrônica underground. Hoje, trabalho na M-S Live e na ARCA, em São Paulo.