Lutando contra a depressão na cena eletrônica: o que não vemos nas redes sociais dos maiores DJs do mundo
Por Pollyanna Assumpção
Eu me lembro exatamente onde eu estava no momento que soube da morte do Avicii, naquela tarde de 20 de abril, pois eu que tive que confirmar a notícia. Eu trabalhava para a gravadora responsável pelos lançamentos do artista no Brasil e era a pessoa que respondia diretamente sobre esse produto. Foi no meu celular que as mensagens chegaram perguntando se era verdade que um dos maiores DJs do mundo tinha acabado de morrer. Dali pra frente foi uma onda de tristeza. Os e-mails chegando da Suécia, a confirmação da morte, a proibição de seguir com as campanhas de marketing envolvendo seu último lançamento, o envio da nota oficial para imprensa. A suspensão de um sonho.
Ao longo dos dias que vieram depois, a confirmação do que muitos já imaginavam: Avicii havia cometido suicídio. Dias antes, ele havia sido reconhecido por uma fã no resort em Omã, onde passava férias, e circularam nas redes fotos de um Tim sorridente, alegre, claramente se divertindo durante seu tempo livre. Ele não parecia um homem que tiraria sua própria vida pouco tempo depois. Muito se fala que a depressão não tem cara. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um estudo feito em 2018, nos últimos dez anos o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%. Isso corresponde a 322 milhões de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra. Essas pessoas estão sentadas ao nosso lado no transporte público, trabalhando no mesmo escritório, dividindo o vestiário da academia e não fazemos ideia do que se passa em suas vidas.
Quando acompanhamos a vida de nossos DJs favoritos através das redes sociais, vemos uma vida dos sonhos: viagens ao redor do mundo, festivais lotados, pessoas lindas e sorridentes, sucesso, dinheiro e satisfação pessoal. Nunca imaginamos que por trás daquelas pessoas, pode haver graves distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade, síndrome do pânico e nível elevado de estresse provocado pelo trabalho, levando ao conhecido burnout, que muito tem se falado sobre nos últimos anos. A Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso e normalmente está ligado ao seu trabalho.
Avicii não é o único caso que tivemos conhecimento nos últimos anos. Ao mesmo tempo que as redes sociais vendem uma vida glamourosa, elas podem servir também como canal de comunicação entre os artistas e seus fãs, onde eles podem abrir o jogo sobre situações difíceis sobre suas vidas. Foi o que fez Hardwell, em 2018, quando anunciou que pararia de tocar por tempo indeterminado. Definindo a vida de DJ como “uma montanha-russa que nunca para”, um dos maiores nomes da dance music internacional sumiu dos palcos dos festivais e se trancou em estúdio, lançando música com regularidade. Uma característica muito comum em profissionais da música eletrônica: a paixão por criar música, mas a falta de adaptação à vida nas estradas.
Vivendo em um eterno jet lag, dormindo em um país e acordando em outro, dias a fio de festas sem fim, a distância da família e dos amigos, a cobrança profissional constante, a sensação de nunca ser bom o suficiente, o álcool, as drogas, as críticas, os haters, a eterna competição com colegas de profissão, o isolamento, a comida ruim e a falta de exercícios dentro de uma rotina regular, são os componentes de uma fórmula explosiva que podem trazer qualquer artista a um quadro de depressão severa.
Um caso notório de depressão associada a agressividade é o Deadmau5. Hoje, bem mais calmo, Joel já arrumou muita briga na internet a troco de nada. Sua declaração mais famosa sobre seus problemas de saúde é a de 2015 feita em seu Tumblr, logo após uma confusão com Justin Bieber e Skrillex. O DJ declarou: “Como qualquer outro ser humano eu lido com problemas de depressão que não sinto necessidade de entrar em detalhes. Queria pedir desculpas aos meus fãs e apoiadores por sumir tão abruptamente e deixá-los esperando por resoluções da minha carreira e da minha vida pessoal… eu irei resumir para vocês. De novo, desculpa por ser um idiota”.
A depressão masculina é um tabu. A dificuldade de homens falarem sobre seus sentimentos é algo que deve ser discutido e ressignificado pela sociedade. Acostumados a serem cobrados a não discutirem seus problemas e sentimentos de forma profunda, muitas vezes os sintomas da depressão masculina são ignorados e tem muita demora a serem diagnosticados. Em um ambiente de constante festa e diversão, onde o consumo de álcool e drogas é socialmente aceitável e até esperado, uma segunda-feira triste pode ser encarada apenas como um rebote do fim de semana, e não como um caso clínico.
Em 2017, a associação britânica sem fins lucrativos Help Musicians, publicou um estudo feito com seus membros que afirmava que 68% dos músicos no Reino Unido já haviam sofrido de depressão. Na pesquisa, eles precisaram indicar quais os motivos que consideravam relevantes para seu estado mental. A instabilidade e a cobrança do trabalho estão dentro dos fatores que colaboram para o estado de ansiedade constante que muitos se encontram. O que começa como a realização de um sonho – estar nos maiores palcos do mundo e nos charts de dance music – rapidamente pode ser o fator que leva um artista pro buraco.
A morte de Avicii trouxe a tona um problema que vinha sendo jogado para debaixo do tapete há anos. Motivado por essa discussão, em 2019 o governo do Reino Unido lançou o “Guia da Indústria da Música Eletrônica para a Saúde Mental”, lançado no Dia Mundial da Saúde Mental. Logo na primeira página temos a declaração de Pete Tong, um dos mais respeitados DJs do mundo: “Em meus 40 anos percorrendo o mundo, não consigo pensar em uma única pessoa de sucesso que não tenha pago um preço pessoal em saúde, relacionamentos, divórcio, lares desfeitos, dependência, depressão e ansiedade”. O objetivo do guia é trazer informações básicas sobre sinais, sintomas e auxílio direcionadas para DJs, produtores e outros profissionais da música eletrônica. Além de desestigmatizar problemas mentais e quem sofre com eles.
O Brasil também tem representantes grandiosos e que já sofreram de depressão. Alok revelou em 2019 que enfrentou problemas de saúde mental, bem jovem, já aos 12 anos. Nem sempre a depressão é decorrente do estresse causado pela profissão, como no caso do DJ, que teve seu primeiro contato com a doença ainda na pré-adolescência. Mas isso é mais um motivo para deixar o alerta ligado, já que situações de extremo estresse podem servir como gatilho para futuras crises.
Por já ter falado publicamente sobre sua experiência, perguntamos a Alok como ele faz para manter a saúde mental dentro de uma rotina exaustiva. Com exclusividade, o artista deu um conselho valioso pra gente aqui na Play BPM: “Trabalhar na noite com eventos nos coloca em uma linha tênue entre trabalho e diversão, por isso o primeiro passo é saber dividir as coisas. Encarar os shows com seriedade e não como entretenimento é essencial para se ter uma boa qualidade de vida. Tudo tem o seu momento e se for para curtir que seja com moderação e sem excessos. Além disso, é fundamental conciliar os compromissos de shows com uma rotina saudável, priorizando uma boa noite de sono, uma alimentação saudável e a prática de esportes. Na minha opinião isso é a base de tudo, é o que me faz crescer tanto no pessoal como no profissional” .
Outro brasileiro amado pelo público e que recentemente falou sobre seus problemas com a depressão foi Vintage Culture. Em entrevista exclusiva para a revista Rolling Stone, o artista fala sobre o excesso de trabalho e como esse colaborou para um momento difícil em sua vida. “Depois do Carnaval, quando eu toquei 12 vezes em cinco dias, veio aquele vazio. E foi então que tive ataques de pânico, foram quatro ataques de pânico em um mês. Fui parar no hospital, achava que ia morrer. Depois do Carnaval, eu tinha uma tour gringa marcada. Tinha dois shows marcados fora do país, um no Canadá e outro na Suécia. Quando foi chegando perto da viagem, aquilo foi me dando uma angústia. Um dia antes, cancelei as duas apresentações. Então, me falaram para ir no psiquiatra que indicou que eu estava no começo de uma depressão e com um quadro clássico de transtorno de ansiedade”.
Tentamos chamar a atenção para o fato de que embora seja uma das profissões mais cobiçadas pelos jovens nas últimas décadas, ser DJ é um caminho que nem sempre leva ao fim do arco-íris. Como qualquer outro profissional, ele está sob pressão constante e sob condições nem sempre ideais de trabalho e no âmbito pessoal. Uma rede de apoio se faz necessária em qualquer estágio de sua carreira: seja no início, onde ainda falta o sucesso e o aspirante ainda se vê numa montanha-russa de inseguranças, ou seja no estágio mais estável, porém com as loucuras da falta de rotina e as tentações como excesso de drogas e álcool que podem levar o artista a um triste final como o de Avicii. O mais importante na nossa mensagem é: procure ajuda. Não importa o que você é ou o que você faz, vivemos em uma sociedade que nos exige sermos perfeitos e autossuficientes constantemente e, se os maiores DJs do mundo sofrem com inseguranças e cobranças desmedidas, imaginem o resto de nós, que apenas dançam nas pistas.