No início da pandemia, tudo parou. O mercado da música eletrônica se estabilizou por algumas semanas, sem entender direito o que se passava e muito menos com um planejamento concreto para os próximos meses. Depois, começaram algumas lives de DJs no Instagram, Facebook e Youtube; mas os eventos mesmo, nada.
Nas últimas semanas, começaram a rolar alguns eventos virtuais de pequeno porte, que aconteceram em plataformas alternativas, com mais de uma sala e mais de um artista tocando. Alguns duraram horas, outros nem tanto. Mas o importante foi: o pontapé inicial na massificação dos eventos virtuais foi dado.
Antes de me aprofundar nos eventos da Era Digital, vou esclarecer algumas dúvidas sobre como, possivelmente, serão os eventos físicos aqui no Brasil pós coronavírus. Se você têm acompanhado a retomada dos eventos na Europa, talvez por aqui seja parecido em aspectos gerais, mas é importante entender que nosso contexto econômico, político e social são uma realidade bem diferente.
Alguns players do mercado apostam em uma retomada de eventos físicos progressiva, porém lenta. Nos primeiros meses de flexibilização serão permitidos eventos pequenos (máximo de 200 pessoas) e eventos ao ar livre ganharão prioridade, até porque uma parcela expressiva do público ainda estará bem receosa em relação a aglomeração em lugares fechados. Todas as medidas de segurança (álcool em gel, espaçamento, uso de máscaras, etc.) serão necessárias – pelo menos na teoria. Infelizmente sabemos de alguns produtores de evento que pensam mais no lucro do que na segurança das pessoas.
Além disso, existe um fator importante que deve ser levado em consideração: muitos produtores de eventos da indústria se endividaram com o cancelamento dos eventos. Festas enormes, com line-ups internacionais caríssimos, serão difíceis de acontecer por certo tempo. Da mesma forma, uma boa parte do público está sem dinheiro e festas não serão uma prioridade em comparação com outras necessidades diárias, e consequentemente, a venda de tickets diminuirá.
Entretanto, existe um ponto positivo dentro de tudo isso: a cena nacional se fortalecerá muito, do mainstream ao underground. O momento de ócio pelo qual estamos passando também leva consigo uma explosão de criatividade e de produção de conteúdo. Nunca se lançou tanta música nova, em tão pouco tempo. Nunca se diversificou tanto a comunicação de artistas com o público por meio de diversos canais e mídias. Nunca houve uma interação online maior do que percebemos atualmente. Portanto, quando os eventos voltarem, artistas nacionais terão um espaço maior do que os internacionais (por questão monetária dos contratantes), e pequenos artistas estarão mais presentes nos line-ups.
Voltemos aos eventos da Era Digital…
A Covid-19 acelerou a massificação dos eventos digitais. Eles já existia, mas poucas pessoas sabiam ou frequentavam. Pós-covid, com tantos produtores de eventos endividados, e o público também, a solução mais viável economicamente será os eventos digitais.
Semana passada estava assistindo a um painel no Youtube da Rolling Stones Brasil chamado ‘Em Novo Ritmo’ e uma das palestrantes, a Manuela Rahal, comentou algo que achei super interessante. Ela disse que aqui no Brasil nós consumimos mais live do que em qualquer outro lugar do mundo. O nosso consumo de redes sociais é exponencialmente grande, e o brasileiro é super conectado: existem mais acessos à internet do que smartphones no Brasil.
Contudo, os eventos virtuais enfrentam um problema atualmente. É tanta live, todo dia e toda hora, que quem que irá pagar por um evento virtual, se o artista XYZ está fazendo live gratuita no Instagram? A captação monetária dos eventos virtuais será difícil se artistas não deixarem de fazer live free constantemente. Porém, convenhamos que lives no formato atual estão saturando a cada dia que passa.
Uma oportunidade para a galera que trabalha com aplicativos é criar uma plataforma perfeita para eventos virtuais de música. Talvez, ainda, uma plataforma só para eventos de música eletrônica. Um aplicativo que monte um evento virtual com várias salas (equivalentes à palcos), com qualidade de som e vídeo fenomenais, ferramentas de imersão online do público (formas do público se comunicar e de se locomover), ferramentas para o produtor do evento criar, decorar, colocar efeitos e, principalmente, uma forma de monetização (ticketeira, bares online, etc.). Do mesmo modo, entram as marcas patrocinadoras do evento, e existem mil maneiras diferentes de expor marcas no formato digital (até mais que no formato físico).
Ainda assim, isso é um panorama atual. A pergunta que devemos nos perguntar é: como eventos virtuais se transformarão em 1 ano, 5 anos… Será que esse modelo atual se sustentará?
Com o tempo, o mercado da música eletrônica se fortalecerá e os eventos físicos voltarão a crescer. Assim como existe, também, uma questão cultural dos brasileiros: somos um povo que gosta de aglomeração, de abraçar e beijar. Então talvez, na nossa realidade, um evento virtual não substitui um evento físico nem agora nem nunca (mas não ficaria surpresa se isso mudasse com o tempo, o futuro é incerto). Por outro lado, existe uma possibilidade grande de eventos virtuais tornarem-se complementares aos eventos físicos (um pré-evento ou um evento em dias úteis, por exemplo). Para terminar, recordemos que a realidade virtual e a realidade aumentada se tornarão acessíveis à população com o passar dos anos. O que nos leva, novamente, à massificação dos eventos virtuais.
Se você acha que eventos virtuais tem prazo de validade e que são uma “modinha”, eu sugiro, humildemente, refletir de novo.
Sobre o autor
Lisa Uhlendorff
Do marketing à produção de eventos e agências de booking. Sou dessas que gosta de fazer um pouco de tudo - com sede de conhecimento, amante dos livros e apaixonada por pessoas e lugares. Morei em Amsterdã e em Barcelona me aventurando no mundo da música eletrônica underground. Hoje, trabalho na M-S Live e na ARCA, em São Paulo.