O polêmico ranking da DJ Mag foi divulgado outra vez e aconteceu o que já era de se esperar, o questionamento do público e artistas sobre o porquê dele ainda existir no cenário. Para uma análise mais completa, precisamos voltar no tempo e relembrar o motivo de tal ranking ter sido criado e qual seu papel ao longo da historia cena eletrônica mundial.
O famoso Top 100 da revista britânica foi fundado em 1991 e no começo a votação era somente entre os membros da revista e alguns colaboradores. Apenas em 1997, eles estenderam para o público votar e isso fez com que o primeiro DJ a ficar no topo da lista fosse Carl Cox. Vale ressaltar que naquela época a dance music estava começando a sair do seu estágio inicial, pois o House e Techno são datados do meio pro fim dos anos 80. Junto com isso o movimento da cultura clubber vinha sendo formando, ou seja, a cena começava a crescer. Como a música eletrônica não era tão popular, pode-se afirmar que eram raríssimos os grandes festivais comerciais destinados ao gênero.
Nos início dos anos 90, a cena eletrônica se resumia em algumas cidades chaves, sendo elas: Ibiza, Detroit, Chicago, Amsterdã e Miami. Essas eram as localidades com mais adeptos, todavia, como não eram tão presentes como hoje, comparar o tamanho do público que frequentava as boates com os de shows de rock ou pop era uma piada de mal gosto, sobretudo, porque a música eletrônica não era amplamente divulgada pela mídia, logo, não existia ainda a concepção de DJ superstar.
Lembre-se que no começo da década de 90, a internet estava engatinhando ainda, o gênero era pouco divulgado pela mídia, e os DJs não eram conhecidos mundialmente. Todos esses fatores contribuíram para que a enquete da DJ Mag fosse válida para divulgar os 100 melhores artistas em termos de qualidade. Além do mais, só quem votava era o público que acompanhava a cena de perto, pois, o indivíduo comum, em meados dos anos 90, com a cultura forte ainda do Rock n’roll, Pop e Hip Hop, que eram os noticiados 24 horas nos veículos midiáticos, MTV por exemplo, dificilmente teria ouvido falar de CJ Mackintosh e Slipmat, – alguns dos artistas que estavam na lista dos 100 melhores da DJ Mag 1997.
Em 1997 era tudo muito diferente de hoje. O Techno dominava o ranking com Carl Cox, Tony de Vit, John Digweed, etc. Além do mais, a House music tinha muito mais notoriedade que o Trance, como pode-se perceber pela quantidade de artistas de House a mais que de Trance na lista. Outro gênero que estava em alta era o Drum & Bass, que conseguiu o feito de colocar mais de 20 artistas em 3 anos, diferentemente do último ano do ranking, que não conseguiu colocar nenhum.
No início, a lista da DJ Mag era muito dinâmica e em cada ano, pelo menos, 20 DJs novos eram adicionados. De 1999 para 2000 foram mais de 40. Isso porque todo mundo esperava muito dos artistas que estavam nela, sobretudo, em termos de produção, habilidades de mixagem e turnês. Aquele que não tivesse uma boa produtividade no ano, não merecia compor o ranking. Lembre-se que não existiam iPads, e o uso da internet para a auto promoção era muito diferente do que vemos hoje. Todos eram avaliados pelo público presente na cena.
E quando o Top 100 passou a ser um concurso de popularidade? Tudo indica que a partir de 2002, com o estouro do Trance comercial, dos grandes festivais do gênero e, claro, do DJ Tiesto. O Trance sempre foi forte no ranking, principalmente, com Paul Oakenfold no final dos anos 90, mas os grandes eventos da vertente nunca faziam o sucesso esperado. Uma das causas era o fenômeno do Techno de Detroit e o House de Chicago. Isso é comprovado por dados, onde 80% dos artistas que compunham os primeiros anos da lista eram dessas vertentes ou ainda do Drum & Bass.
Se você acha que Dimitri Vegas & Like Mike foram os únicos a ganhar fama mundial e conseguir o feito de ser número 1 pela revista britânica, principalmente, por terem sido promovidos por festivais – no caso dos irmãos belgas, o Tomorrowland – você está enganado! Tiesto é outro belo exemplo disso, e por incrível que pareça, a mesma empresa responsável por colocar os residentes do Tomorrowland no topo, foi também a principal causa de Tiesto ter sido o número 1 em 2003.
Tiesto mudou do gabber (hardcore holandês) e passou a produzir Trance em 1997, naquele ano fez apenas uma música, “Long Way Home”, que não atingiu sucesso. A carreira do DJ começou a alavancar de 1999 para o ano 2000, quando ele começou a tocar nas festas organizadas pela ID&T, sobretudo, a “Innercity: Amsterdam RAI” e a “Trance Energy 2000”, que foi a festa da virada do milênio. Em seus sets, das 20 músicas reproduzidas, apenas duas eram dele, ‘Gouryella’ em parceria com Ferry Corsten e ‘Them From Norefjell’. Fato que não era inesperado, pois nos 3 primeiros anos de carreira no Trance, o holandês só tinha lançado 5 faixas autorais.
No início do ano 2000, a empresa holandesa ID&T e outras ligadas à festivais fizeram uma forte campanha de publicidade em cima dos DJs holandeses de Trance, pois, afinal, se o gênero era o que mais gerava capital no momento, nada melhor que o ‘número 1 do mundo’ também pertencê-lo. Com isso, Ferry Corsten ficou em 22 e Tiesto em 24. Esse último, conseguiu o feito de estar entre os 25 primeiros com apenas 6 faixas e 2 remixes lançados até o dia do resultado, e desses, apenas 1 sucesso, o remix de ‘Delirium – Silence’.
A partir de 2000 o Trance já dominava completamente o cenário europeu, sendo os únicos festivais que reuniam milhares de pessoas e contavam com super produções, como Sensation White, Dance Valley, Trance Energy e Dance Terminal. Todos esses organizados pela ID&T e associados, quase todos com os mesmos DJs, (Ferry Corsten, Armin van Buuren, Johan Gielen, Tiesto, Judge Jules, Oakenfold, etc) com o objetivo de promover o gênero e os artistas. Em 2002, a vertente já dominava completamente a lista da revista britânica, 6 dos 10 primeiros artistas faziam parte dela e com Tiesto no topo.
Ninguém aqui está desmerecendo o DJ holandês, inclusive, em 2001 ele lançou um álbum com faixas que até hoje são consideradas clássicas, como ‘Lethal Industry’ e ‘Suburban Train’, que contribuiu e muito para o seu sucesso. Porém, é inegável que sem o apoio e o Marketing dos grandes festivais de Trance da época, talvez ele nunca tivesse sido o número 1.
E a popularidade do Trance só fez aumentar, com Paul van Dyk, Tiesto e Armin van Buuren se revezando no topo até 2011, ano em que Guetta assumiu o pódio.
O francês em primeiro lugar simboliza o quão forte é a indústria musical norte americana, que hoje exporta Trap, Dubstep e outros gêneros para o Top 100, mas que naquele ano foi a principal responsável por David se tornar um dos mais populares artistas do mundo atualmente. O DJ foi um dos primeiros de House a ter suas músicas tocadas nas rádios mundo afora, principalmente, nas norte-americanas, como ‘The World is Mine’, ‘Love is Gone’, ‘Sexy Bitch’, ‘Memories’, etc; isso fez com que ele se tornasse conhecido também entre os ouvintes de rádio comum, que não participava da cena eletrônica.
Outro fator importante, foram as suas colaborações com artistas renomados nos Estados Unidos, como os rappers Kid Cudi, Akon, LMFAO, o quarteto Black Eyed Peas e o cantor Chris Willis. Tudo isso contribuiu para que ele participasse das principais premiações da música estadunidense, concorrendo ao lado de artistas como Lady Gaga e Bruno Mars.
David Guetta foi o primeiro artista da cena a figurar em todos os blogs, jornais, revistas, como celebridade da música eletrônica. Nem mesmo Tiesto, que foi a estrela do Trance, chegando até a tocar nas olimpíadas de Atenas, teve tanta mídia em cima como o francês. Tanto é que um dos motivos para a sua saída do Trance para o House comercial foi estar de olho no mercado norte-americano, já que com o Trance ele não seria mais relevante, como ele próprio assumiu no vídeo abaixo:
Nos anos seguintes, ficou claro que para fazer parte da lista, os DJs teriam que manter a popularidade. Desse modo, Armin van Buuren, desde 2012, tem aos poucos mudado seu estilo, mesclando Trance com Big Room House para se adaptar ao mercado e continuar sendo votado na lista da revista britânica. Essa afirmação ganha mais força quando se observa outros artistas que se mantiveram no Trance e desapareceram do ranking da DJ Mag, ou estão nas últimas posições, como Ferry Corsten, MIKE Push, Skazi, e o próprio Paul Oakenfold que foi 2 vezes número 1, hoje nem aparece mais entre os 100.
Os próximos vencedores conseguiram o pódio através de uma forte campanha de publicidade. Foi feito até um personagem animado do Hardwell em 2014, com o objetivo de conquistar votos do público jovem. Dimitri Vegas & Like Mike levaram iPads para as ruas e escolas da Antuérpia na Bélgica em 2015 (Afrojack fez o mesmo), e até para o Tomorrowland 2015, conforme relatos de várias pessoas. O próprio festival pede votos no Facebook e por e-mail aos seus residentes Yves V e aos irmãos belgas. Vale tudo para se manter na lista.
Quando se fala de Martin Garrix, é inegável o seu crescimento como artista nos últimos anos. Isso se da especialmente pelo DJ e produtor ter saído do Big Room comercial e ter se aventurado no Progressive House. Outro fator que mostra sua ascensão é o fato dele não ter feito nenhuma campanha explícita pedindo votos para conseguir ser o número 1 de 2016. Todavia, a sua crescente popularidade também vem do fato dele ter se tornado uma espécie de ‘Justin Bieber da eletrônica’, com uma grande parcela de fãs adolescentes que votaram nele por questão de um possível amor platônico.
Para descredibilizar ainda mais a lista, existem rumores de que certas posições são vendidas aos artistas ou que a própria revista cobra um valor para manter ou retirar alguém. Segundo o brasileiro FTampa, ele já ficou no ranking duas vezes, mas seu nome foi retirado, por não ter pago o valor que foi requisitado.
O DJ Justin Blau (3LAU) também criticou a revista britânica, afirmando que uma grande quantidade de artistas pagam para se manter na lista com o objetivo de fechar contratos com o mercado eletrônico no continente asiático, pois, segundo ele, a Asia se baseia, principalmente, no ranking da revista para promover bookar artistas e promover festivais e shows.
Para piorar a situação, a votação da DJ Mag desde seu início sempre foi muito fácil de burlar. No começo o sistema era em forma de cartões postais, que eram contados e contabilizados como votos. Nada seguro, pois a mesma pessoa poderia votar mais vezes através do envio várias cartas, apenas mudando o endereço do remetente. Tempos depois, a votação migrou para a internet e o único requerimento para o voto, até meados de 2011, era o e-mail pessoal, o que não impedia que várias pessoas criassem inúmeras contas e, assim, votassem várias vezes.
Hoje em dia para acessar a página de votação é através de alguma rede social, seja Facebook ou Google+, mudança que não serviu de nada no quesito segurança, pois isso ainda não impede o uso de vários perfis. Além disso, de vez em quando, aparecem ofertas em sites de vendas, como esse do eBay, que afirma com clareza que está vendendo votos na DJ Mag por 150 euros.
A própria revista já se defendeu de acusações de fraude, alegando que apenas conta os votos do público e a prova disso é a presença de Daft Punk nos rankings atuais, mesmo sem eles se apresentarem há anos. Também admitiu que a lista é sobre os DJs mais populares e não sobre os mais habilidosos.
Se o ranking é muito questionado e considerado fraudulento, por quê todos os artistas querem se manter nele?
Porque ter o nome relacionado a DJ Mag é status e SEMPRE vendeu muito, o Trance dos anos 2000 que o diga. É bonito colocar antes do nome sua colocação na revista, é como se fosse um prêmio de melhor jogador de futebol, a diferença é que nesse, não precisa realmente ser o melhor pra vencer.
Por exemplo, pense numa festa em Ibiza, que é frequentada por turistas de todas as partes do mundo, nem todos adeptos da música eletrônica, mas que lotam as famosas boates por curiosidade. Diante disso, imagine também DJ Chetas como atração principal e um cartaz avisando que é o número 33 do mundo – inclusive posição acima de Above & Beyond e Eric Prydz. Iria bombar! Não desmerecendo o artista e seu trabalho, mas está claro que 99% dos seus votos vieram do público da Índia, pois quem já ouviu falar desse cara em algum lugar do mundo ou festival?
O mercado indiano de música eletrônica é crescente, por isso vemos que o Tomorrowland tem planos de fazer uma edição por lá. Como é de conhecimento geral, o Tomorrowland transmitiu o festival da Bélgica para milhares de pessoas no país, com direito a fogos sincronizados com a transmissão. Não é atoa que esse ano temos artistas indianos no ranking, como DJ Chetas e Lost Stories.
No Brasil, Alok e Vintage Culture conseguiram uma excelente posição, logicamente, por conta dos votos dos brasileiros, já que são populares aqui e o nosso mercado é grande. O ótimo resultado que obtiveram se dão também porque, atualmente, Alok e Vintage são os dois principais artistas nacionais do Low BPM, que está bombando já faz um tempo no país. Prova disso é que nunca existiu antes, na história da Tomorrowland, Deep House (ou Brazilian Bass) no palco principal até as 20 hrs, sem falar nos vários palcos dedicados a vertente, ‘Alok presents Brazilian Bass’ por exemplo, que estava lotadíssimo, Warung, D.O.C, e o palco da Fusion Energy Drink.
Sobre a lista da DJ Mag não se pode fazer nada. Isso mesmo, é duro dizer, mas mesmo que você não vote, nem eu, nem meus amigos, nem os seus, ainda existirão milhares que votarão e o ranking será divulgado todos os anos, para alegria de uns (DJs, promoters, empresários) e o questionamento de outros. Ademais, as boates ainda contratarão os primeiros colocados para as mais importantes festas do ano e os ingressos serão esgotados em segundos, como acontecia com o Trance nos anos 2000. Só o gênero que mudou! A cena atual movimenta muito mais dinheiro do que nos tempos gloriosos do Trance e o que é popular é sempre comprado/vendido com facilidade.
Para o ranking acabar, precisaria de um boicote geral na votação, tanto do público, como dos artistas presentes, como dos contratantes dos shows, o que é algo impossível e improvável. Você como público tem duas opções, a primeira é participar da votação todos os anos, escolher os 5 melhores na sua opinião e torcer por um bom resultado do seu artista favorito. A outra é se ausentar por completo da votação, apoiar seus DJs prediletos – a maior parte dos meus nunca apareceram no Top 100 da revista – e parar de reclamar do porquê VINAI, DVBBS e Dimitri Vegas & Like Mike estão na frente de Eric Prydz, Kaskade e Porter Robinson, por exemplo. É só um concurso de popularidade, talvez nem eles próprios deem a mínima para isso.
Falando em dar a mínima, muitos não dão:
Já outros são uma vergonha:
Sigamos com nossas vidas e escutando aqueles DJs e produtores que nos agradam! E sejam felizes todos! Essa é a mensagem do Play EDM!