Cuba e música eletrônica: EP da Get Physical reúne artistas em ascensão da cena do país
Segundo uma pesquisa feita há alguns anos atrás pelo Escritório Nacional de Estatísticas de Cuba, a proliferação global de computadores para uso pessoal, softwares e o acesso à internet levou à uma democratização em massa da produção musical — jovens no mundo inteiro passaram a criar batidas em seus quartos — mas isso não aconteceu em Cuba.
Com muita paciência e perseverança, os DJs e produtores cubanos traçaram sua jornada na criação de beats enquanto aguardavam o download de faixas globais que compunham suas pesquisas musicais. Essa limitação não foi impedimento para os artistas que enxergam em suas vivências inspirações para abastecer o público. A realidade por vezes é dura, mas a música está aqui para fazer sonhar, um sonho que veio às custas de muito trabalho e dedicação de artistas que podemos chamar de pérolas, dado o esforço em triplo para gerar algo valioso e que carrega em sua sonoridade uma missão de vida.
A Get Physical cumpriu a missão de trazer essas pérolas cubanas para nós. Com o EP Cuba, Get Physical!, a gravadora assinou mais um capítulo de uma série memorável, que já visitou Berlim, Detroit, Croácia e África, aumentando a conscientização sobre temas relevantes para cada país, trazendo cultura, música e conexão de povos. Curado pela dupla Paula Fernandez e Zahira Sanchez do duo PAUZA, que também assinam uma das faixas do EP, a obra enaltece a cultura e a firmeza de propósito de artistas como Kike Wolf, Okanan, Joan Coffigny que presenteiam o público com sua sonoridade, existência e resistência.
Conversando com o Jazz, House e Acid, o EP faz reverência a cultura cubana de uma maneira moderna que faz o público pensar fora da caixa e fugir de estereótipos. Com a faixa “Caliente” o duo PAUZA traz a cantora cubana Arema Arega, que nos faz embarcar em uma viagem direto para as noites de Havana, representando exemplarmente as características da sonoridade de lá – a faixa ganhou ainda um remix de Monkey Safari.
Okanan investiu na ancestralidade utilizando vocais na língua bantu, falada na África Austral, Moçambique e Zâmbia, em “Asere” com uma linha de baixo arrasadora pronta para a pista. Kike Wolf, um dos fundadores do movimento Acid Techno em Cuba, vem com seu peso e latinidade na faixa “Tropical Interference” e Joan Coffigny entrega um Kinky House de primeira linha na faixa “Roots” misturando uma percussão rica com vocais em espanhol que colocam a pista pronta para dançar.
A cena eletrônica cubana cresceu, pois os artistas passaram a dividir e multiplicar o que conseguiram escavar em seus estudos musicais, afinal, Cuba é oldschool, mas seguiu com divulgação de festas através de flyers, boca a boca e afins. Não há o que romantizar aqui, há inclusive muitos talentos nas periferias do Brasil, que mesmo com acesso à internet não conseguem emplacar o lançamento de suas obras ou sequer se apresentar em eventos dominados pelas elites. Não cabe uma comparação, afinal são regimes e histórias completamente diferentes, mas há de se admirar a luta, a beleza e a pureza de significado que uma musicalidade carregada de história pode trazer para o público.
Ouça:
Por Mia Lunis
Imagem de capa: divulgação