Marcio S possui grande bagagem e história dentro da música, não somente como frequentador das festas e clubse nos anos 90, atento ao trabalho de propulsores da dance music em São Paulo, como Mau Mau e Magal, mas como digger apaixonado, separando o joio do trigo entre as mais refrescantes subdivisões do house e do techno.
O lance de ter sido parte de alguns dos momentos mais embrionários da cena não é para que sejamos nostálgicos e queiramos recuperar o passado pura e simplesmente, mas para que tenhamos entendimento do que pavimentou os caminhos que trilhamos hoje. Essa galera fazia um pouco de tudo, guardava o salário pra comprar vinil, se aproximava uns dos outros encarando a dance music quase como estudos antropológicos: como fazer as pessoas dançarem? Como criar uma nova realidade para quem está ali?
Como esse grupo de pessoas juntou tanta gente diferente em torno de um estilo musical? Que prazer soldar alguns cabos e carregar caixas pesadas enquanto os ouvidos ficam atentos para o que Renato Lopes está colocando no toca-discos. E daí que é uma festa de 15 anos? Adolescentes também dançam! É essa, mais ou menos, a vibe do pessoal que volta e meia tinha que correr atrás de vinis que caíram do ônibus.
Hoje Marcio S mantém, com razão, relevância por aqui. Integrante do cast da D.Agency, o artista segue inovando e participando do elenco musical de muitos eventos importantes, desde aqueles que representam a vanguarda àqueles que convidam também as novas gerações, a exemplo do DGTL São Paulo 2022 e do Surreal Park, algumas das datas-destaque do Marcio pra 2022.
É satisfação minha a de escrever sobre, e a de muita gente ler os papos informais com uma figura que não poupa detalhes sobre seu apreço pela arte. Com a palavra, Marcio S.
Oi, Marcio, tudo bem? Você, que está entre os veteranos da cena, segue sendo chamado para os mais diversos refúgios dance no país. Quais você diria serem os aspectos principais que um DJ deve levar em conta para manter-se relevante e respeitado por tanto tempo?
Estou bem, obrigado! Acho que a pesquisa e não se limitar somente ao som mais "hypado" do momento já é um grande passo para se manter na ativa, aproveitar todas as oportunidades que a discotecagem oferece, esse é o meu foco desde o início. O lance do respeito é uma consequência por não atrasar o lado de ninguém, fazer o meu e na medida do possível ajudar quem está cruzando seu caminho de verdade.
Segundo o que lemos sobre você, houve uma fase em que você passou um bom tempo se inteirando sobre os movimentos de música eletrônica em São Paulo antes de conseguir suas primeiras oportunidades discotecárias. Quais foram as particularidades daquela época que mais chamaram a sua atenção? O que mais te atraiu no underground noventista?
Como era tudo muito novo e não segmentado, eu, meus primos e amigos íamos em vários lugares, desde o chamado comercial (Baba) na época, até o pico mais underground. As rádios com os programas de DJs eram um ponto-chave, pois como não havia internet, ouvíamos as discotecagem dos residentes dos clubes. Por exemplo: Sound Factory, gravávamos, anotávamos os nomes quando possível e depois a gente tentava encontrar os discos nas lojas nas galerias no centro da cidade, era muita informação chegando…
Para nós da periferia, 3 clubes nos chocaram: Arena Music Hall, Over Night e Sound Factory, batíamos cartão revezando os finais de semana, Sexta, Sábado e Matinês aos Domingos à tarde.
Passamos um tempo passeando entre seus sets e percebemos um crossover muito interessante entre o house e techno, com referências variadas desde o jazz aos sons étnicos, do house groovado ao minimal e disco. Hoje em dia às vezes percebemos uma pressão para se criar um rumo e um conceito específicos, um terreno limitado, um branding de si. Acha isso um desperdício de potencial ou, quanto mais diversidade, melhor?
Quanto mais diverso melhor, no dia que for uma exigência segmentar, eu paro de tocar.
Já que estamos entre o passado e o presente, consegue citar três momentos-chave inesquecíveis da sua carreira e que tenham te catapultado de alguma forma? Pode ser uma situação divertida ou emocionante, um evento específico, uma conversa com alguém que lhe deu insights, algo ou alguém que te abriu caminhos, qualquer coisa mesmo.
Somente 3? [risos] O primeiro clube com cachê e tocando num templo, Overnight, com GKD e DJ Andy em 1998.
Meu amigo e grande nome do cenário de Manaus que me acolheu e me deu a oportunidade de tocar em 2002 no Ecosystem numa tenda com o Ken Ishii, lenda japonesa do techno, a partir daí o caminho se abriu para eu conhecer pessoas importantes e posteriormente ir parar na Seven Entertainment a convite do meu amigo Beto Calderaro para ser Diretor Artístico da produtora, desenvolvendo um ótimo trabalho no norte do país.
Michel Palazzo no período da URBR Records, gravadora super importante no início dos 2000's, foi um cara que me direcionou na produção sempre com ótimos insights.
E mais recentemente o Renato Ratier durante o primeiro ano da pandemia, eu estava meio de saco cheio e tinha decidido dar um tempo. Ele me ligou 01:00 da manhã e trocamos muitas ideias, me incentivou a não desistir naquele momento, foi muito válido e sou grato por isso.
Teriam vários outros pontos, mais de 10 no mínimo [risos]
Você acompanha o que rola na geração mais novas, a garotada que vem chegando aos holofotes? Pode citar alguns nomes (artistas, coletivos etc.) que vêm chamando a sua atenção, e por quê?
Claro! DJ ELLE (Non Binary [elu/delu], de São Paulo, @ellerossetto, tem se apresentado muito bem, com ótimo sets de house.
Victor Arruda, de Uberlândia (@victorarrudadj), está ganhando espaço com boas apresentações, destaque para o Live Set Freak Chic D-Edge e Warung School Showcase.
Romina, Uruguaia radicada em Florianópolis - SC, (@romina_herr), com sets que vão do Soulful house ao Chicago/ Detroit, com apresentações consistentes na Troop e Detroitbr.
502 ROOM, Manaus - AM, festa que está indo para 3º edição, muito bem produzida e com uma curadoria consistente.
Uma coisa muito interessante na sua história foi como você fomentou por muitos anos uma cena fora do circuito habitual, lá em Manaus, criando eventos com muita gente foda. O que aprendeu de mais valioso nesse período de ajudar a levar um cenário não-óbvio do ponto A para o ponto B? O que você diria para alguém no interior que quer semear um movimento, por exemplo?
Lá foi um desafio muito grande por estar fora do circuito Sul/Sudeste, logística complicada e mercado voltado para música comercial, então foi um trabalho muito bem desenvolvido pela equipe da Seven, educar nosso público com programas de rádio, boas matérias explicativas mostrando o Underground e convencendo os artistas, agências e labels que estávamos no caminho certo foi um ponto crucial.
Se organizar, ter foco, acreditar que você está levando algo novo e promissor, conversar com seu público, ter parceiros pontuais, boa divulgação do conteúdo e não desistir na primeira queda, persistir e se reinventar são outros aprendizados.
Existe(m) alguma(s) conquista(s) neste âmbito artístico que ainda não pôde alcançar, mas que gostaria muito? Vem planejando algo para os próximos anos?
No Brasil tudo o que eu sonhei um dia já alcancei, a meta é manter com excelência e amor. Um sonho fora do Brasil, tocar no Fabric, em Londres.
Fomos impedidos de festejar quase que totalmente nos últimos anos, diante da pandemia. Agora que estamos em uma realidade pós-vacina, acha que estamos caminhando para um novo período de inovações, hedonismo e criatividade na música eletrônica? O que você espera da nossa cena no "pós-caos"?
A ideia é sempre sair com algo melhor quando temos um grande problema [como a pandemia]. Acredito que para muitos de nós serviu para nos reavaliarmos. Sou otimista, a música eletrônica sempre foi e será vanguarda, inovação e criatividade nesse quesito caminham juntos, muita gente com vontade e afim dessa nova fase produtiva. Veremos os próximos capítulos.
Assista aqui uma apresentação de Marcio S.
Imagem: divulgação.