'Música não tem sexo! Os estilos musicais também não deveriam ter', conta Las Bibas From Vizcaya em entrevista
Uma instituição viva da música eletrônica no Brasil! Las Bibas From Vizcaya é patrimônio nacional (e podemos dizer internacional também) quando o assunto é cena musical LGBTQI+. Pioneira na arte como Drag DJ, quebrando barreiras e ganhando destaque, a artista leva na bagagem a experiência de mais de 30 anos de carreira.
Longe do fervo das pistas, ela inicia uma nova fase em sua trajetória, inaugurada pela faixa "Sky High", que saiu pelo Motion Records. Unindo os talentos como cantora, DJ, musicista e produtora, ela não cansa de dar close certo e conversou com a Play BPM sobre o caminho que percorreu ao longo desses anos. Leitura obrigatória! Confira:
Você contou que nesse tempo em casa, por conta da pandemia, saiu ouvindo os discos e CDs da adolescência, o que refletiu em “Sky High”. O que você ouviu?
Ouvi muita coisa dos 80/90 e da Era Disco (sobretudo a Space-Disco). Eu re-escutei toda a discografia dos maravilhosos Saint Etienne (uma paixão eterna), E.L.O. (que mistura rock com eletrônica), Gary Numan, os projetos paralelos do Giorgio Moroder (que são muitos), e claro, eu sou devota fiel do sem amor-maior Cocteau Twins (de onde se extrai muito da minha nostalgia), e no meio de tudo isso eu achei uma coletânea danada da inglesa “Jigsaw”, os criadores originais da “Sky High”, e ali meu olho brilhou.
Você tem mais de 30 anos de carreira, certo? Consegue nos contar um pouco sobre essa trajetória?
Comecei com 13-14 anos juntando caixas e equipamentos com os colegas do condomínio e fazendo as festinhas de aniversário de todos. Com 17/18 eu já era DJ de quinta a domingo em uma boate em Recife. Era frequentador assíduo das lojas de vinil onde todos os DJs daqui se reuniam (mas eu sempre era visto como o “diferentão”, porque gostava de fugir do comercial).
Mas foi justo essa diferença que me fez ser “único” e me destacar no meio de tantos… era convidado duas vezes por mês pra fazer os programas de DJs nas sextas e sábados à noite e ao vivo na Rádio Cidade Local. Em 96, eu aproveitei minha dupla cidadania espanhola e fui me jogar na Europa (morei em Londres, Barcelona e Amsterdam) e lá eu tocava mais Tech-House e House.
Em 1998, nasceu Las Bibas como uma forma de me diferenciar entre os DJs e ser outra vez único no meio de uma profissão que crescia sem freios. Fui uma das primeiras Drags-DJs da Europa, e a primeira Drag DJ/Produtora do Brasil.
Voltei a morar no Brasil em 2009, me mudei pra São Paulo, participei do reality “Batalha de DJs” do Multishow (uma furada pra mim), onde eu já tentava pular o muro da cena LGTBQI+ parar a cena hétero (digamos assim) .
Las Bibas tinha uma sonoridade muito house europeu gay, mesmo assim consegui tocar algumas noites do D-Edge em São Paulo (na Freak Chic). Logo depois eu precisei segmentar meu som mais para o Tribal House e foi onde, em 2015, eu entrei pra time de residentes da The Week (onde estou até hoje).
Em que momento você encontrou a cultura drag? Como foi essa transição?
No final dos anos 90, começou a moda dos DJs tocando sem camisa, e eu nunca gostei dessa ideia pra mim, pois na minha visão a cabine é um altar sagrado, local de trabalho, onde a música são os “hinos” e você como sacerdote tem que estar vestido à altura e não despido.
Foi quando pensei e repensei: como eu poderia me fazer diferente de todos no palco? Drag era uma arte nova, nenhum DJ profissional tinha se atrevido a isso.
Pois aí entro eu… por um tempo levei duas carreiras paralelas, mas Las Bibas sempre brilhou sem esforços (talvez pela pluralidade de se mover em outras áreas, como podcasts, vídeos-dublagens), mas o foco sempre foi a música.
A música eletrônica nasceu como uma comunidade inclusiva e também como uma forma de contracultura. Você acha que isso de certo modo se perdeu? Como você enxerga a cena eletrônica brasileira? Falta inclusão e união?
No final dos anos 70, os melhores clubs/festas eram todos gays. Os gays viviam no armário, e em contrapartida eram mais cultos e mais bem sucedidos profissionalmente, porque eles precisavam se impor através do destaque profissional. Os héteros mais exigentes que quisessem ouvir boa música ou algo diferente tinham que ir pra um club gay. No final dos anos 90, com o “outing” e a internet, os guetos gays (antes escondidos) deram a cara à luz, mas ainda com o mecanismo de ser “fechado” como auto-proteção. O problema é que eles aplicaram isso pra vida e também para música e vivem presos até hoje num eterno loop de tribal-house.
Hoje somos duas cenas eletrônicas bem distintas e separadas por gênero (gay e hétero). Parece surreal isso, né? A cena eletrônica LGBTQI+ com poucas subdivisões: tribal/pop/underground. E e a cena hétero com muitas subdivisões: eletrônico, deep, funk, psy, techno etc. E hoje o gay mais exigente musicalmente tem que frequentar clubs/festas héteros ou mix.
Não existe uma cena Deep House gay, nem uma cena Tech House… por que será? Por que os DJs da cena gay (como eu) não figuram em revistas e sites que tratam apenas de música e não de gênero? Afinal música não tem sexo! Os estilos musicais também não deveriam ter.
Las Bibas From VizcayaO que eu estou fazendo aqui é me lançar para um público que por essas barreiras talvez não tenha ouvido falar da minha trajetória como artista, músico e DJ. E o que vocês da Play BPM estão fazendo é algo pioneiro abrindo espaço para uma DRAG mostrar sua sonoridade. Aplausos pra nós! Rs.
5 - Estamos adorando a sua série de vídeos “Só Música Babado”. Como você escolhe as faixas que vai indicar?
Eu leio alguns sites gringos como o pitchfork, tem alguns grupos fechados no facebook pra trocar figurinhas, e claro, o meu Spotify que é uma loucura de gosto e estilos (e pelos algoritmos chega a mim muita coisa nova e inusitada que com paciência eu vou penerando o meu joio do trigo).
O #SMB seria uma releitura dos meus famosos podcasts (2004-2015), onde eu trazia dicas de músicas novas, mas neles tinham mais humor que música. Já no #SMB eu resolvi focar só na música (deixá-lo mais plural de estilos como eu sou) e trazer isso para um público que hoje em dia eu acho bem carente de informação em tempos de músicas e playlists imediatas.
Sobre o autor
Vitória Zane
Editora-chefe da Play BPM. Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música eletrônica <3