Comemorando 21 anos de carreira e dois shows no Tomorrowland Bélgica, Dre Guazzelli abre o coração em entrevista
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Manter-se 21 anos numa mesma carreira não é para qualquer pessoa, mas Dre Guazzelli é uma delas. DJ desde os 18 anos, o artista celebra neste ano mais de duas décadas na cena eletrônica e uma dupla confirmação no Tomorrowland Bélgica 2024, analisando com carinho toda sua trajetória entre apresentações em grandes e pequenas festas, bem como os eventos que vem produzindo e o laço que tem criado com o público. Dono de uma grande consciência corporal e espiritual, o DJ e produtor nos conta com detalhes vários episódios de sua vida no mercado musical, além dos fatos marcantes nestes anos na indústria. Leia:
Olhando para trás, se você pudesse ter uma conversa com o Dre Guazzelli de 21 anos atrás, que conselhos ou insights do seu eu atual você compartilharia para ajudá-lo em sua jornada?
Eu acho que é o mesmo conselho que eu dou pras pessoas que estão começando e me perguntam, que é sempre manter a chama do sonho acesa e tentar fazer o máximo de boas ações possíveis para que você consiga atingi-los… E a busca de um conhecimento eterno, que é o conhecimento da música, o conhecimento da técnica, a pesquisa musical e o autoconhecimento. Eu acho que se fosse somar a essas atividades, eu colocaria a atividade física, porque ela ajuda a atividade mental. Então, ao longo do tempo, eu fui praticando yoga, fui me interessando pelos chill out dos festivais lá atrás e isso me trouxe ao caminho do yoga também… O esporte para sustentar o corpo físico e o estudo musical e a técnica para você entender da própria produção musical e das próprias mixagens. Como transformar uma pista num laboratório, onde você consegue transportar as pessoas de um espaço físico e material para um lugar emocionalmente invisível e infinito. E eu acho que esse é o objetivo de um DJ, de um músico e de pessoas que trabalham com arte, é transportar as pessoas sem que elas saiam do lugar.
A saúde mental é um dos assuntos cada vez mais abordados pelo nosso mercado, e você, com certeza, é um dos artistas que mais se preocupa em cuidar da saúde mental, física e espiritual e faz questão de mostrar isso diariamente em suas redes sociais. Você sempre foi assim ou houve um momento de despertar? Como incentivar que não somente os artistas, mas todos busquem por esse autocuidado?
Acho que o mundo precisa mais desse autocuidado para que a gente se conheça cada vez mais e pare de terceirizar e responsabilizar os outros pelas nossas frustrações, e passe a se auto responsabilizar pelas próprias emoções, isso não só com músicos ou DJs, mas com todo mundo… porque todos nós estamos sujeitos à drogas, ao fast food e às todas as porcarias não naturais que também colaboram para ficarmos a cada dia menos conscientes. Então o meu momento de despertar não foi da noite por dia, é uma busca constante e incessante, é um exercício que muitas vezes você não quer fazer, da mesma forma que muitas vezes você não quer ir pra academia ou pro yoga, mas no meu caso eu me forço a ir porque sei que vai ser bom. Quando a gente coloca o tijolinho, depois outro tijolinho, e mais e mais tijolinhos, isso vai virando um muro sólido, ou seja, uma base sólida para você conseguir lidar com as próprias emoções e estar cada vez mais presente, seja num show ou numa conversa com alguém da família, se transformando num presente pra quem está com você e pra você mesmo, porque assim consegue aproveitar mais e consegue separar o que faz bem do que não te faz bem. Eu tento incentivar todo mundo pra que ache uma forma, porque não existe uma fórmula ou uma receita pronta pra você conseguir ficar mais calmo e para fazer o bem pras pessoas, para escutar mais seu coração para que você faça o que ama e que sua vida seja um constante amar o que se faz.
O que é a música eletrônica em sua essência para você?
Eu acho que a música eletrônica é uma sequência de estilos sonoros que vão surgindo ao longo dos anos, mas ela foi uma união muito ritualística, eu acho que tribal, no sentido de que o primeiro contato que eu tive, quando ela estava unida com uma certa natureza, o pé no chão, o nascer ou o pôr do sol, as cores e aquela transe que a música eletrônica bem tocada num ambiente de natureza com um som bom… É mágico, porque ela te transporta, ela tem um poder de teletransportar sem sair do lugar. Então, acho que a música eletrônica hoje está inserida em muitos estilos, ela não é um estilo só, ela não é nem mais uma árvore com vários galhos… É uma floresta! Mas a música eletrônica revolucionou também, eu acho que sem ela eu seria metade. Eu amo música eletrônica.
Você está confirmado para se apresentar não somente uma, mas duas vezes no Tomorrowland Bélgica deste ano. Como você recebeu o convite e como tá o coração?
Receber o convite para tocar no Tomorrowland da Bélgica foi o encontro de 21 anos de história, tocando em diferentes lugares, noites sem dormir, fins de semana sem viajar com amigos. É a realização de um sonho após um trabalho incansável até o dia da realização. Sinto-me completo e energizado para fazer ainda mais e melhor. Acredito que quando plantamos bons relacionamentos e boas práticas, somos recompensados pelo universo, não necessariamente quando esperamos. É um misto de sensações incríveis. Estou pronto para olhar para um horizonte ainda mais amplo, com segurança, sabendo que segui meu coração e continuarei seguindo, conectando-me com tudo e todos como amo fazer, olhando nos olhos, vivendo na pista, amando o que faço.
Ao observar a evolução da cena musical ao longo de duas décadas, quais mudanças você considera mais significativas, tanto positivas quanto negativas? Como essas mudanças moldaram sua própria abordagem à música e ao seu trabalho como DJ e produtor?
Eu acho que são vários pontos aqui que a gente pode ver ao longo desses 20 anos que eu toco. Um deles é a mudança constante entre as pessoas consumirem a música eletrônica no sentido noturno ou diurno. Mas no noturno a gente pode falar que teve uma época que eram mais clubs, depois esses clubs passaram para mais festas. E essas festas eram mais raves do que festas em São Paulo. A gente viveu esse boom de festas em São Paulo. Muitos anos foram ambientes 100% noturnos e a gente ia dormir 6, 7 da manhã direto. E com esses pontos, ao longo dos anos, eu fui vendo também com as tocadas na Europa, com as coisas todas que eu fui analisando de outras maneiras, inclusive os festivais aqui e a alegria de poder tocar durante o pôr do sol. Em 2015, foi criado Dre Tarde com a minha vontade de tocar um tempo maior do que eu tocava em uma balada normal. Não precisar me enquadrar 100% sonoramente naquele estilo sonoro daquela noite naquele clube em específico, eu poder fazer uma viagem sonora como eu faço no Dre Tarde e fazer da nossa praia que não temos em São Paulo, a nossa praia com um pôr do sol… Uma festa ao pôr do sol como eu não tinha antes.
Então, eu acho que essas mudanças vão acontecendo o fato de lá atrás eu levar os toca discos mesmo tocando com Final Scratch que era antes do Serato, eu tinha que levar caixas blindadas com as duas Tecnics que eram os tocadiscos, o mixer, o computador e a mala de cabo (já levei até pro Universo Paralello)... Assim, foi facilitando, porque hoje eu levo um HD, um SSD com um ou dois teras de música, dá pra tocar um ano seguido quase, e aí essa evolução vai facilitando e vai dificultando também, prós e contras existem. Hoje em dia todo mundo tem acesso a música e todo mundo pode ser DJ, mas pra ser DJ você tem que entender e saber da alquimia do que é realmente tocar as emoções, aonde você quer atingir e o que você quer atingir de cada pessoa que está te ouvindo… Se você ama realmente aquilo que você faz e o quanto você quer fazer e por quanto tempo, quanto aquilo te modifica enquanto você está fazendo, se é muito superficial ou se aprofunda bastante para que não tenha prazo de validade.
O Sábado Dre Tarde é com certeza um case de sucesso. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas para se produzir eventos, ainda mais atualmente, você já realizou 45 edições da sua festa, um feito para poucos. Fale para nós sobre o evento no geral e também sua construção até o dia de hoje.
Com certeza é a personificação ou o resultado de tudo que eu já vivi e tudo que eu tinha vivido de música, de bons momentos em festivais, de viagens e tentando colocar esse combo musical e a alegria de produzir eventos. A gente começou a fazer evento em 2003, foi a primeira festa que eu toquei fora do meu quarto, foi uma festa que eu mesmo produzi, na dificuldade, na venda de ingresso na mão, durante anos, assim, e o Dre Tarde tinha nascido em 2015, depois que eu já tinha tocado acho que umas sete vezes em Ibiza, já tinha ido umas 14 pra Europa tocar, com pessoas mais velhas, ouvindo um outro tipo de som, que na época era um deep house, era bem sofisticado, era bem legal, e aí eu queria introduzir isso e queria colocar uma festa o pôr do sol para amigos e amigos de amigos. Isso começou numa casa com 300 pessoas, na casa do pai de um amigo, inclusive aqui pertinho, e aí ela foi crescendo.
E a gente tentou não deixar crescer mais do que o caminho natural de uma coisa, porque tudo que eu vi ao longo da minha vida de festa, se deixasse crescer demais na ganância financeira, ia perder o tamanho. E a gente tentou sempre manter uma coerência onde um tamanho de festa ideal para entregar o básico, bom e necessário para que o ecossistema inteiro fosse agradável para todos os presentes, mas que a gente conseguisse continuar fazendo o que a gente fazia desde 2003, que era misturar diferentes idades, diferentes pessoas e todo mundo se sentir bem, independente do que se é qualquer coisa. E o Dre Tarde tem sido um exemplo disso, ele abraça quem chega lá, eu vejo pessoas indo sozinhas, felizes, fazendo novos amigos… Eu vejo grupos que iam em dez pessoas indo em trinta, eu vejo casais se formando, esses casais virando noivos, eu tocando no casamento e todos esses momentos virando um infinito álbum de fotos. E cada música também vira e tatua aquele momento que é eternizado, então o Dre Tarde é mais que uma festa, ele é um encontro e um reencontro meu comigo mesmo e acho que de cada um é mágico, porque ele é uma obra de arte na verdade, por isso que ele é apreciável.
Você com certeza viveu muitos momentos lindos ao longo desses 21 anos. Queremos que você escolha pelo menos um desses que foi extremamente emocionante. Um momento que o fez refletir sobre sua jornada na música eletrônica e sentir gratidão por estar vivendo essa trajetória.
Olha, são 21 anos, são pelo menos 150 tocadas por ano, são 27 tocadas na Europa, algumas na América do Sul e outras nos Estados Unidos, sendo quatro vezes no Burning Man. Não dá pra não falar que uma delas no Burning Man, pelo menos, foi de extrema sensação de gratidão por eu estar vivendo aquilo, por eu estar expandindo meus horizontes, não só musicais como visuais, artísticos, humanos principalmente, então aquilo me trouxe muitos insights para como eu iria colocar em prática vontades, mandamentos, situações que ajudariam também as pessoas a se conectarem mais com elas mesmas num ambiente festivo noturno ou diurno, mas num ambiente em que as pessoas estavam só acostumadas a ter gente doida, e eu tenho que fazer isso na minha vida como um todo. Mas voltando à pergunta, não dá pra esquecer a primeira vez que eu toquei em Ibiza, mas o fato de chegar lá, de fazer uma viagem quando você pega o avião e pousa no lugar… E das 27 vezes que eu viajei para a Europa, 25 eu fui sozinho, então você fazer uma viagem sozinho, você cresce, você engrandece, você agradece. E não teria como não falar de um Dre Tarde, daquele momento em que está tudo acontecendo e que a câmera fica lenta e que o tempo fica infinito. Esses momentos são eternos e infinitos também porque cada Dre Tarde é um agradecimento desse.
Além disso, a primeira vez que eu toquei durante o pôr do sol, no Main Floor do Universo Paralello, lá para 2007, quando o festival era 10 mil pessoas e era todo mundo mais unido porque não tinha tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, aquilo foi marcante para todo mundo que estava lá. Bem como o primeiro convite para o Tomorrowland, foi no ano passado, então nunca é tarde para novas emoções. Eu espero que outras grandes emoções surjam e que elas venham através da produção musical também. Mas esses 21 anos foram muito bem vividos e eu agradeço muito.
Como alguém que constantemente busca inovação e novos desafios, poderia destacar três projetos realizados ao longo de sua carreira dos quais você se orgulha muito? O que torna esses projetos tão especiais e significativos para você?
O primeiro foi o que deu início à minha própria empresa de eventos, a Inner. E esse nome veio de uma festa que a gente tem, que hoje virou uma festa anual, o nosso mini-festival. Ele tem três pistas e é multi-artístico, marcou uma geração, que é a geração que frequentava as festas quando a gente tinha 18, 19, 20 anos… 20 anos atrás. Então, a Inner Multi-art perdura e é nosso projeto mãe, exemplo e nosso filho.
O Dre Tarde não tem nem o que falar, porque ele é maravilhoso por si só, porque ele é incomparável com alguma coisa, porque ele tem personalidade e ele tem o amor de todo mundo que vai. E é isso que faz ele perdurar e é isso que me mantém acesa a chama de querer fazer e sempre tentar fazer daquele momento algo inesquecível. Isso tem acontecido sempre.
Nosso Réveillon de Caraíva, com certeza, é algo marcante pra quem já foi e quem vai, além de ser a virada do ano que pra gente é muito especial. Era um lugar especial que a gente ama muito, que a gente cuida o ano inteiro.
Então são três projetos aqui que não tem como não falar, fora as ações sociais, que a gente vem fazendo ao longo de todos esses anos, como não falar, às vezes, de um simples projeto de viagem, né? Eu acho que são coisas que inovar é você trazer atividades que falariam que não teria a ver com a sua atividade e você coloca ali e funciona. Seja o nosso amigo Salazar tocando sax junto em umas tocadas, o Cleiton tocando violino, a gente juntando uma marca de carro pra fazer uma viagem e fazendo conteúdo dessa marca, é uma esteira na sala que nem a gente estava fazendo agora, com um DJ durante o yoga - que falaram que não tinha nada a ver lá no começo, e eu falei “lógico que tem a ver”... Preciso estar com a cuca boa, e com o coração bom… É isso!
Após tantos anos na indústria da música, qual foi a lição mais significativa que você aprendeu? Pode ser relacionada à indústria, sua própria arte ou até mesmo sobre si mesmo. Como essa lição influenciou sua abordagem e perspectiva em sua carreira?
A lição é que você tem que ser humilde, mas isso eu acho que é para a vida, você não pode ser ganancioso. A pessoa que você distratar hoje, daqui um, dois ou cinco anos, pode passar pela sua frente de novo. Então, você precisa tratar bem as pessoas, e quanto mais a gente faz isso, mais a gente é bem tratado, quanto mais a gente consegue se cuidar, mais a vida acaba cuidando da gente. Então, o ser honesto, o ser verdadeiro, o não deixar para depois, aprender a falar não, aprender a colocar o próprio valor no cachê, que muitas vezes eu faço isso até hoje e é bem difícil. Mas no fim das contas, é você ser sincero… E a humildade é a chave para você conseguir ser seguro para poder criar e sem ter medo de ser feliz, e mostrar quem você é, porque no fim das contas cada um é único.
Você já realizou muitos de seus sonhos ao longo de sua carreira. Pode compartilhar alguns deles conosco? Além disso, quais são seus objetivos ou sonhos futuros na música que ainda deseja alcançar?
O sonho que foi atingido era conseguir viver de música, virar um DJ que teria uma festa. Hoje eu sou um DJ que tem algumas festas, que é um ser humano que se conecta com as pessoas. Hoje eu consigo ter amizade com essas pessoas que gostam de me ver tocar. Eu faço questão de estar presente com elas, então isso é parte de um sonho, sim. Ter uma empresa de eventos é um sonho realizado e que continua se realizando. E para que isso aconteça é necessário que você tenha uma equipe boa, uma equipe especial, que seja uma família também. Então, hoje em dia a gente tem na Inner pessoas especiais, que sem elas nada aconteceria, muito menos as festas. Mesma coisa com produção musical, se eu viajo bastante, se eu tenho todas as atividades para cumprir, e se eu toco bastante e tenho que ter pessoas produzindo música comigo também. E eles precisam cada vez mais me entender, e eu entendê-los para que a gente tenha essa mesma sinergia.
Então, se for falar de sonhos futuros, talvez seja eu tocar em lugares que eu ainda não toquei, conquistar lugares e pessoas que ainda não me ouviram, talvez até através das minhas próprias produções musicais, e não mais através do meu trabalho como DJ somente. Porque muito do que eu conquistei como DJ, as pessoas me conhecem fisicamente, ou algum amigo de amigo falou pra essa pessoa, e essa pessoa foi me ver ao vivo. Mas talvez agora virar a chave para que pessoas que não me conheçam fisicamente queiram me ver tocar pela música que escutaram. E através disso, posteriormente, elas me conhecerem como ser humano, e que isso também agrade a elas. É um caminho meio inverso, e que isso aconteça, que eu viaje bastante, mas que a vida me apresente de forma agradável, tudo que deveria se encaixar, porque isso tem acontecido. E eu não deixo passar um dia sem fazer boas ações para mim e para os outros, então é aí que eu confio que está tudo no seu curso natural e confortável.
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