O presente artigo não tem como objetivo fazer apologia ao uso de drogas, mas sim promover informações das possíveis consequências desse uso.
A Ketamina, conhecida também pelos usuários por outros nomes como “key”, “special K”, “keyla”, “keta” ou “cetamina” é um anestésico que se encontra dentro da família das drogas depressoras, onde o principal efeito desse grupo é a diminuição da atividade do sistema nervoso central.
Não é de hoje que escutamos falar sobre a utilização de drogas, então vamos voltar um pouquinho ao passado? A Era das Grandes Navegações europeias, que permearam ali pelo século XVI, permitiram um choque entre culturas, e ao iniciarem a colonização das Américas os europeus entraram em contato com novas substâncias, como é o caso do tabaco nas comunidades indígenas e a cocaína dos nativos dos Andes, isso sem comentar a comercialização realizada pelos europeus do haxixe e do ópio através do Extremo Oriente. Esses povos utilizavam essas substâncias em grande parte para o tratamento de doenças e na realização de rituais religiosos, mas a chegada dos europeus mudou um pouco a relação com essas substâncias. O que não se pode negar é que as drogas estão sempre presentes, sendo legalizadas ou não, então o nosso cuidado é de fornecer informações para que vocês possam reduzir os danos desse uso e incorporar um pouquinho de conhecimento. Bora lá?
A Ketamina foi sintetizada em 1962 pelo farmacêutico americano Calvin Stevens no laboratório Parke & Davis, ela foi criada para ser uma substituição do PCP, também conhecido como “pó de anjo”, ele é uma droga dissociativa que possui efeitos anestésicos. O PCP dificultava a recuperação de consciência dos pacientes pois os deixava sob efeitos alucinógenos por longos períodos de tempo, causando inclusive sintomas de psicose em algumas pessoas. Inicialmente, a Ketamina foi intitulada “CI-581” e é derivada do PCP, apesar de apresentar toxicidade e efeitos bem menores quando comparadas. Em torno de 1965 ela foi aprovada para substituir o PCP em procedimentos cirúrgicos humanos, mas sua principal utilização é voltada para o campo veterinário, sendo administrada em animais com o intuito de obter seus efeitos anestésicos. Essa anestesia produzida pela Keta é chamada de dissociativa, pois ela induz ao estado cataléptico.
No Brasil, em torno dos anos 90, a Keta começou a criar popularidade para o uso com fins recreativos, sendo bastante utilizada em clubs e raves, e até os dias atuais mantém sua popularidade. Essa substância é legal para fins medicinais e veterinários, mas ilegal para o uso recreativo, ainda assim ela passou a ser vendida ilegalmente em forma de líquido, solução injetável, tablete, pó, cristal e até mesmo em cápsulas, sendo comercializada inclusive misturada com outras substâncias, como o MDMA, vendida como se fosse puramente ecstasy. Logo essa droga começou a ser disseminada pelas noites e hoje é bastante conhecida.
Durante essa mesma década o DEA (Drug Enforcement Administration) registrou a Ketamina como uma droga emergente. Essa preocupação foi aumentando após a publicação de alguns livros e relatos sobre experiências pessoais de consumo da Ketamina: The Scientist: A Novel Autobiography (Lilly, 1978), Journeys into the Bright World (Moore & Alltounian, 1978) e a Troca de Ideias em Drogas Psicodélicas (Grinspoon & Bakalar, 1979). A autora de Journeys into the Bright World, Marcia Moore, tomou Ketamina pela primeira vez em 1976 e conta sobre a rápida tolerância que desenvolveu à droga. Em 1978 ela já consumia diariamente e dormia somente 3 horas por dia, quando em Janeiro de 1979 injetou a maior quantidade de Ketamina que conseguiu e foi a uma floresta, onde morreu congelada.
Usuários relatam que a sensação mais comum produzida pela Key é a de “abandonar o próprio corpo”, como se tivessem viajado através da própria consciência, uma outra realidade onde a matéria, o espaço e o tempo parecem funcionar de uma maneira diferente. A dosagem influencia muito nessa onda, e é importante ressaltar que menos é sempre mais! Ela depende, assim como a duração dos efeitos, da via de administração.
A duração e os efeitos da Ketamina variam de acordo com a via administrada, a dosagem e, claro, as condições físicas e psicológicas do usuário. Ela é consumida por via oral, inalada ou injetada. Em doses baixas os efeitos mais comuns são a analgesia, o pensamento desorganizado, a distorção das percepções sensoriais e a visão desfocada; em doses médias a altas os efeitos mais comuns são alucinações, delírios, experiências extra-corporais, sensação de “quase-morte” ou “buraco negro” e destacamento da realidade, o conjunto de alguns desses efeitos são o que chamamos de “K-Hole”.
Os efeitos podem durar menos para usuários frequentes que desenvolveram tolerância, e a utilização frequente pode causar dependência, mesmo que rara de acontecer. E apesar da dependência química ser rara, a psicológica não é! Então seja consciente com seu uso e entenda bem a sua relação com a substância. A longo prazo o uso pode engatilhar crises de pânico.
K-Hole e Outros Efeitos Colaterais
O K-Hole recebeu esse nome porque a sensação mais comum descrita é a de cair em um buraco, o usuário entra num estado dissociativo que rompe o seu eu e a realidade, ele não consegue mais compreender quem ele é ou o que ele é, quem são as pessoas, em que ambiente está e perde a noção de tempo. Nesses casos é importante levá-lo a um local seguro, deitá-lo de lado para que não haja problemas de sufocamento em caso de vômito e checar a temperatura, caso a temperatura não esteja adequada, procure ajuda médica. Em casos mais extremos, onde a pessoa respira com dificuldade, há riscos sérios de ocorrer falência respiratória – a morte mais comum por Ketamina – e o coma, que unidos ao desmaio são situações onde deve-se ir ao hospital imediatamente.
A Ketamina também pode provocar amnésia, e por isso é usada como o que conhecemos popularmente de “Boa Noite Cinderela”. Ela produz esse efeito pois em doses altas deprime a função normal do córtex e do tálamo, aumentando a atividade do sistema límbico e levando tanto ao efeito analgésico quanto ao amnésico.
Reduzindo os Danos
A Ketamina é considerada uma droga relativamente segura, mas isso não significa que ela não carregue sérios riscos vinculados ao seu uso. Há cuidados que podem ser tomados para que a utilização seja tranquila:
- Teste sua substância;
- Alimente-se com comidas leves e aguarde até 2 horas para o uso – aguardar evita náuseas e vômito;
- Mantenha-se hidratado/a;
- Prefira dosagens pequenas e únicas ao invés de altas dosagens e re-dosagens – isso diminui a possibilidade de passar pelo “K-Hole”, além de menores chances desenvolver dependência e tolerância;
- No uso pela via nasal, não compartilhe o canudo, intercale as narinas e use soro fisiológico – o compartilhamento de canudo torna possível contrair e transmitir hepatite, e o intercalar narinas e a utilização do soro evita machucados;
- Não utilize superfícies sujas – elas podem conter vestígios indesejáveis e bactérias;
- No uso pela via intramuscular, não compartilhe seringas – há diversas doenças que podem ser contraídas e transmitidas;
- Não misture com outras substâncias, principalmente o álcool – ambas são drogas depressoras que em conjunto podem causar vômito, diminuição do ritmo respiratório, perda da coordenação, coma e até mesmo morte;
- Atente-se às idas ao banheiro – o uso abusivo pode provocar problemas no sistema urinário e renal;
- O uso pode ser perigoso para pessoas com distúrbios psiquiátricos, hipertensão, problemas cardíacos e sob tratamento de medicação para a tireóide.
A Ketamina foi utilizada na guerra do Vitenam para aliviar as dores dos feridos, e atualmente há estudos que relatam um potencial antidepressivo desse substância, além de ser capaz restabelecer psicoses em pacientes esquizofrênicos remitentes. Assim como a maioria das substâncias, ela possui boas utilidades, mas é importante ser responsável principalmente quando tratamos do uso recreativo, que requer atenção a si mesmo/a, ao ambiente e aos milhares de fatores de englobam a utilização da droga.
Nosso papel não é incentivar o uso de nenhum tipo de droga, mas sabemos que independente de falarmos ou não sobre o assunto, elas continuarão sendo utilizadas, por isso é importante que possamos ter um espaço seguro para disseminar informações pautadas na ciência e na visão deste tema como um campo da saúde, que visa prevenir mortes provenientes de um uso que não é consciente e carente de informação. Então sempre busque conhecimento, converse com amigos e profissionais sobre o seu uso e teste suas substâncias!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- https://www.adicciones.es/index.php/adicciones/article/view/453
- https://www.adicciones.es/index.php/adicciones/article/view/458/454
- https://www.adicciones.es/index.php/adicciones/article/view/499
- https://periodicos.unifesp.br/index.php/neurociencias/article/view/8486
- https://edelei.org/portfolio/ketamina/
Imagem de capa: reprodução da internet
Sobre o autor
Isabella Ferreira
Estudante de Psicologia que se aprofundou nas práticas da redução de danos ao se conscientizar que há melhores e mais eficazes formas de olhar o uso e abuso de drogas. (Co)fundou o coletivo Clã Dahlia em 2019, quando pôde começar a atuar em festas e festivais através de informação, testagem e apoio em crises psicodélicas. Em 2021 iniciou seu projeto como DJ de Hardbeats, tornando-se membro da Zoom Records, Hard Family BR e Darkness Society. Também é amante dos estudos esotéricos e da tarologia.