Guia de profissões da música eletrônica: artist liaison com Juliana Faria
Como sempre a intenção do Play BPM é te informar e ao mesmo tempo desenvolver ao máximo a indústria nacional de música eletrônica. Nesse sentido, criamos esse novo quadro dentro da revista para que você, amante da cena, possa entender mais sobre as profissões existentes neste mercado. Quem sabe você também não pode trabalhar com música eletrônica e ser feliz?
Durante os próximos meses, você poderá conhecer mais sobre todas as profissões deste mercado, sempre com uma entrevista incrível com um profissional atuante. Para dar continuidade a essa série de artigos especiais feitos por Victor Flosi e Samantha Spim, tivemos o prazer de bater um papo exclusivo com a artist liaison da plusnetwork Juliana Faria!
Play BPM: Fala Ju! Tudo certo por aí? Primeiramente, obrigada por ter aceito nosso convite em participar do quadro Guia de Profissões. É uma honra ter um profissional como você fazendo parte do nosso time! Vamos lá: Qual seu nome completo, cidade natal e há quantos anos você atua como Artist Liaison?
Juliana Faria: Juliana Pereira de Faria, sou de Tucuruí no Pará, mas moro tem mais de 10 anos em Curitiba e trabalho como Artist Liaison desde 2014. Comecei na DJCOM e hoje atuo na plusnetwork.
Play BPM: Você se recorda quando e como surgiu essa vontade de trabalhar com a música, em especial como Artist Liaison em música eletrônica? Se você não trabalhasse com o que trabalha hoje, qual área optaria por exercer?
Juliana Faria: Eu sempre trabalhei com música desde o começo, fui radialista por mais de 15 anos na vida (na rádio Jovem Pan – em Belém, Curitiba e na rede), inclusive quando entrei em agência de DJs ainda continuei levando as duas profissões até início de 2019. Música sempre esteve presente na minha vida, fiz parte de coral, fiz aulas de teclado e flauta quando criança, sempre ouvi muito também, foi até a base pra despertar o interesse em aprender inglês.Como Artist Liaison, eu comecei a mexer com isso um tempo depois de ter entrado na DJCOM, até então cuidava do marketing em geral da agência e dos artistas. Tudo graças ao inglês, pois para cuidar de artistas internacionais esse é requisito básico, já que 80% da comunicação é nesse idioma.Se eu não trabalhasse com música e eventos, eu ainda assim exerceria uma profissão ligada à organização, seja de informação, de tarefas. Eu sou boa em gestão de processos. Provavelmente estaria em produção de televisão ou alguma coisa em aviação, que é outra paixão minha.
Play BPM: Por ser uma profissão diferente do que costumamos ver por aí, você teve o apoio do seus pais e amigos desde o início ou rolou um pé atrás?
Juliana Faria: Eu acho que meus pais não entendiam muito bem o que eu fazia até pouco tempo atrás. Nem eu quando comecei sabia que tinha uma função tão “específica” assim. Mas de forma geral sempre tive apoio na busca das coisas que eu gostava, seja pelos pais ou amigos. A minha personalidade… ativa, falante, “descolada” sempre me levou para atividades ligadas à comunicação e todo mundo sempre fala: “nossa, isso é a tua cara”.O pé atrás quem teve fui eu mesma no começo, pois nessa função você lida com valores bem altos e quase sempre são sempre valores de terceiros. Lembro do primeiro voo internacional que comprei que custava uns 5 mil dólares…. tinha pavor de estar fazendo alguma coisa errada, perder dinheiro. Hoje em dia já acostumei, mas ainda assim precisa de muita atenção pra lidar com valores como esses que eventualmente surgem numa contratação internacional, ainda mais porque depende de cotação de moeda.
Play BPM: É inevitável termos inúmeros nomes como referência tanto no âmbito profissional como pessoal. No seu caso, você teve/tem alguma referência de profissional que te inspirou desde o início?
Juliana Faria: Minha primeira referência foi a Joanna Lage, ainda quando eu trabalhava na DJCOM. Sempre a via nos eventos coordenando, achava super profissional a forma como ela se portava em tudo. Durante muitos anos admirei o trabalho dela na plus e anos depois estou aqui, no cargo que já foi dela. Quando entrei na agência também tive uma grande professora, Marianna Pinto, que me passou muitas diretrizes sobre processos, documentação e padronização das coisas e principalmente resguardar todas as partes na contratação do que é necessário pra uma turnê.
Play BPM: Qual foi a principal característica da sua profissão que foi primordial para que você seguisse nela até hoje?
Juliana Faria: Sem dúvidas o domínio do inglês. Neste ponto não dá pra ser aquela coisa básica ou intermediária, tem que ter poder de argumentação/repertório para alinhar as coisas com os agentes internacionais, você recebe uma série de contratos, então ter fluência na língua deixa sua vida muito mais fácil. A segunda mais importante característica é a organização, eu consigo guardar informação de forma muito fácil e a todo momento isso é requisitado de você. Quando isso aconteceu? Quanto foi negociado mesmo? Em que pé está isso? Já repassou isso pra fulano? Tem esse dado aí? São perguntas as perguntas mais comuns que recebo no dia, e só sendo organizada pra ter todas essas respostas de fácil acesso e na ponta da língua.
Bate Bola Jogo Rápido: Play BPM | Juliana Faria
1 destino dos sonhos: Maho Beach em St. Maarten (sou a louca dos aviões e essa praia é atrás do aeroporto de lá, que inclusive se chama Princess Juliana).
1 arrependimento de vida: No máximo ter perdido a oportunidade de ver alguns shows na vida (tipo Linkin Park). De resto, acredito que os erros do caminho te levam a ser uma pessoa mais consciente no presente.
1 momento inesquecível em sua carreira como Artist Liaison: O elogio dos artistas ao fim de uma turnê. Levar um bolo na cara do Steve Aoki também foi divertido.
1 momento inesquecível em sua vida pessoal: Ano passado no Chile. Fui passar meu aniversário sozinha em Santiago e cheguei na semana que estavam tendo os protestos sociais contra o governo. Fui a algumas marchas, tinha toque de recolher, precisei de salvo conduto pra sair do aeroporto. Experiência única ver um momento histórico acontecer ao seu redor.
1 música que te emociona: Difícil citar só uma, mas LRAD (Knife Party) e The Island (remix do Steve Angello) são atemporais e me trazem muitas lembranças.
1 DJ: Fedde Le Grand sempre vai ser meu favorito!
1 profissional do ramo: Admiro muito a Eli Iwasa. Acho grandiosa a capacidade dela como artista e empresária e também amo todos os looks que ela usa pra tocar! Kakakaka.
1 bebida: Coca cola!
Play BPM: Sabemos que existem prós e contras em trabalhar numa das maiores agências do Brasil, que é a Plusnetwork. No geral, como é trabalhar ao lado de grandes nomes tanto de DJs e outros profissionais do ramo? O convite para fazer parte do staff surgiu como?
Juliana Faria: É um orgulho fazer parte do time da plus, de verdade. São poucas ocasiões em que acabo pensando nisso, mas é muito significativo ver conversas entre a equipe virarem de fato algo palpável, seja um evento ou uma turnê de um DJ que queremos trazer. E cada um toca a sua parte com muito entusiasmo. Eu tenho uma super liberdade, nos 3 anos que tô na agência sempre fui baseada em Curitiba fazendo home office. Nunca faltou suporte e nunca senti distância do time em São Paulo.Considerando lidar sempre com pessoas de outras nacionalidades e costumes, justamente o grande desafio do dia a dia é alinhar as realidades de todo mundo. Por isso o trabalho da agência é importante. Ao construir uma relação duradoura com eles, nossa experiência agrega muito na contratação. Quanto mais entregas satisfatórias, mais confiança e mais fácil fica o trabalho do Liaison e por consequência do promoter, que também conta com a gente.O convite na verdade foi uma surpresa! Eu sempre fui muito “um dia após o outro” e em 2017 houve a fusão entre a DJCOM e a plus, que só soubemos uma vez que aconteceu mesmo, nem imaginava. Então na junção de equipes, a Mari Pinto ficou com toda parte “pensante” do internacional (ofertas, contratos, pagamentos), eu fiquei com a parte mais “mão na massa” (logística, técnica, vistos, fornecedores) e Karin no financeiro. Quando a Mari saiu, aí segui com as demais tarefas.
Play BPM: Além dos inúmeros nomes de peso que a sua profissão faz com que você tenha contato, qual é a verdadeira função de um Artist Liaison dentro do mercado? O que você considera essencial para ingressar nesse ramo?
Juliana Faria: Pra quem ainda não está familiarizado com o termo, Liaison quer dizer “ligação/contato”. Justamente a função é ser a pessoa que vai conectar todo o time internacional do artista com a parte local. Isso inclui coordenar e validar toda a parte de contratação e ofertas, ajustar demandas de logística e rider, solicitar vistos necessários, aprovar material de divulgação, coordenar fluxo de pagamentos diversos das datas, contratar fornecedores e pessoal quando necessário, enfim, controlar todo tipo de informação para o artista internacional e para os promoters locais.Como as agências internacionais são bem maiores, tudo é bem setorizado, pra cada uma das coisas que listei tem um responsável distinto. Chego a falar com 4 a 5 pessoas diferentes por artista. No Brasil, como a estrutura do mercado é mais enxuta, acaba sendo tudo feito por uma pessoa só. Todas as possíveis concessões dentro de uma turnê é você quem vai considerar e fazer, ver se está adequada logisticamente, organizar fluxo de pagamentos, preservar a relevância do artista em relação ao evento, o que funciona ou não na venda baseado no histórico da agência, além, claro, de atuar como suporte dos bookers da plus.Ainda assim tenho minha parceira (Karin Castellon) que cuida inteiramente do fluxo financeiro, que requer atenção extra, pois tem diversas variáveis como impostos, câmbio, taxas etc. Eu jamais daria conta sozinha. Ela é a craque dos cálculos e prazos.Conhecimento de uma maneira geral é essencial pra qualquer função. Este ramo específico exige conhecimentos sobre legislação, câmbio, uma boa rede de fornecedores parceiros, conhecimentos sobre fretamento aéreo e malha logística, boas habilidades de negociação, saber produção técnica certamente é um plus também… etc.Mas o primordial mesmo é entender o fluxo de trabalho de quem você lida. Cada promoter/artista tem um procedimento padrão, fazendo as coisas da maneira mais eficiente para cada um poupa muita dor de cabeça do que querer impor uma forma de trabalhar. Eu tenho meu método dentro do escritório, mas sei todas as particularidades dos nossos principais clientes e artistas, isso faz as coisas fluírem mais fácil. Assim você não cobra ninguém desnecessariamente, não manda emails demais e não sobrecarrega o processo.
Play BPM: Para finalizarmos esse incrível bate papo que tivemos, você teria algum conselho importante para quem sonha em ingressar como Artist Liaison ou em qualquer área da cena eletrônica?
Juliana Faria: Seja transparente em tudo que faz. Apesar de estar representando uma empresa ou artista, a sua palavra e postura contam bastante. Então seja verdadeiro com todas as partes, quando o fardo estiver pesado fale, quando a turnê ou o artista é delicado explique, quando precisar de ajustes mostre os argumentos válidos. O Brasil tem características muito distintas do resto do mundo, seja na forma como fazemos eventos, padrões de vida e como lidamos com as oscilações da economia, então, no fim do dia, a sua palavra vai tranquilizar muita gente e realmente vai ser o “elo” de que tudo vai dar certo para todas as partes da cadeia. Tudo é ajustável ou negociável e mesmo o que não seja, basta pontuar de forma transparente que todos se entendem eventualmente.