Não é de hoje que diferentes setores da indústria musical demonstram preconceitos com o funk e na indústria da música eletrônica não é diferente. Como em outros nichos fonográficos, isso é resultado da ignorância de pessoas que não conhecem o funk. Diante isso, surgem comentários descontextualizados, sem consistência, muitas vezes pejorativos e até preconceituosos. Quem perde? Todos nós.
Em 2016, na véspera do Tomorrowland Brasil, o DJ Zegon, do duo Tropkillaz, disparou o verbo durante entrevista dizendo que “está mais do que na hora de aceitar que funk é música eletrônica, brasileira, popular e original”. E é o que afirma o Thiagson, especialista no assunto, professor e pesquisador de música pela Universidade de São Paulo (USP). Ele defende a tese “Sorry It’s Over: a Morte da Música Clássica”.
O pesquisador explica que “o funk é um gênero dançante, de música eletrônica. Um fenômeno sonoro de origem periférica, nascido no Rio de Janeiro entre o final da década de 80 e início dos anos 90” e, além das batidas de origem semelhante ao house, também “é comparado com o estilo estadunidense pela origem, nascido por e para os jovens marginalizados."
O Tropkillaz são DJs de rap, que misturam hip-hop e funk com batidas, estilos, ritmos e influências variadas, resultando no som que está aí nas paradas de sucesso. Inserido nesse contexto de produção musical, DJ Zegon conta que “o funk vem de uma evolução da batida do house e do eletro conhecido como Miami Bass, desenvolvendo-se até se tornar algo original como é hoje o funk brasileiro. É algo 100% eletrônico.”
Contudo, se as letras são o problema, aí é necessário mudar a realidade das pessoas que vivem no contexto onde a música é produzida. Como o cantor vai cantar sobre algo que ele não conhece se a realidade que se tem são condições discriminatórias, prostituição, alcoolismo e criminalidade? A lógica não fecha.
O funk também é um meio de ascensão social que você pode até não gostar, mas tem que respeitar! O contrário disso é, principalmente, inadmissível, no mais, é bizarro uma cena como a eletrônica que sofre com preconceito do senso comum, praticar o mesmo com as variações do segmento como testemunhou inúmeras vezes o DJ Zegon: “O público de música eletrônica, em geral, sempre torceu o nariz para o funk brasileiro”." Em contraposição ao desgosto dos fãs, alguns dos principais produtores, ídolos mundialmente, renderam-se ao estilo criado nas favelas do Brasil como Hardwell em Baile de Favela, Jack Ü com MC Bin Laden e mais recentemente o próprio Tropkillaz com Anitta e DJ Yuri Martins.
O estilo também esteve presente no Grammy deste ano. A cantora Cardi B utilizou um trecho do funk remix “WAP” do DJ brasileiro Pedro Sampaio durante a apresentação que fez na cerimônia de premiação realizada há algumas semanas. Mesmo diante de tamanha conquista para a indústria nacional, o produtor musical Rick Bonadio não poupou críticas e mais do que dizer que “precisamos exportar música boa”, sacramentou: “Já exportamos Bossa Nova, já exportamos Samba Rock, Jobim, Ben Jor. Até Roberto Carlos. Mas o barulho que fazem por causa de 15 segundos de funk na apresentação da Cardi B me deixa com vergonha”. Vergonha nós ficamos com tamanho preconceito.
Como disse Leandro Karnal no CNN Tonight durante edição do programa que abordou o funk: "As pessoas classificam algo como maior ou menor porque precisam falar de si, ignorando toda singularidade cultural que os indivíduos possuem."
Superado os comentários maldosos do Rick Bonadio, voltamos pra nossa cena. Segundo DJ Zegon, ao contrário de algumas vertentes eletrônicas que não passam de “estilos clichês e comuns”, o funk tem muito mais qualidade sonora. Para o pesquisador de música da USP, Thiagson, “funk é mais complexo que Johan Sebastian Bach” , da música clássica. Por isso, quando alguém chama funk de produção musical pobre não sabe o que fala ou é preconceituoso. De modo geral, é um estilo que chama a atenção e por isso ganhou espaço como o que tem atualmente.
Thiagson lembra que “a música tem a função social que a sociedade der para ela”, ou seja, pode ser usada como instrumento de supremacistas, como os nazistas o fizeram, ou pode ser falada da realidade de milhões de brasileiros e brasileiras como o rap e o funk fazem. Tudo depende da sua intenção!
“De modo geral, para ouvir música é preciso ter mente aberta”, finaliza Zegon.
Sobre o autor
Renan Fernandes
28 anos, fotógrafo e jornalista que fala sobre política, sociologia, filosofia e música.