Ao contrário do que muitos pensam, a música eletrônica não foi criada por homens europeus brancos no início dos anos 90.
A cena LGBTQIA+ tem se fortalecimento cada vez mais, com nomes gringos como Honey Dijon e Magda, e nacionais como Groove Delight e Curol. Mas você sabia que a dance music, na verdade, nasceu nas comunidades LGBT? Essa é a história esquecida por trás da house music, que faz tanto sucesso nas rádios brasileiras com artistas como Alok, Vintage Culture, Cat Dealers, Bhaskar, Dubdogz e tantos outros.
Há cerca de um mês, o artista haitiano-canadese Kaytranada, fez história ao ser o primeiro homem preto e abertamente gay a ganhar o Grammy de Melhor Álbum Dance/Eletrônico com Bubba, e reacendeu a discussão do quão distante a música eletrônica está hoje em dia de suas origens minoritárias.
Ao contrário do que muitos pensam, a música eletrônica - e gêneros como house, techno, dubstep, entre outros - não foi criada por homens europeus brancos no início dos anos 90. Sua história começou muito antes disso, na cena underground das cidades americanas de Chicago, Nova York e Detroit no final dos anos 70, com nomes como Frankie Knuckles (Warehouse), David Mancuso (The Loft), Larry Levan (Paradise Garage), Ron Hardy, Ken Collier (Heaven) e Marshall Jefferson. Frankie, inclusive, é inspiração para muitos DJs de hoje, como por exemplo David Guetta.
(Duvido você descobrir qual hit do DJ foi inspirado no hino de Frankie Knuckles nesse link do YouTube):
Nessa época, a disco, gênero mais popular do país, enfrentava um contragolpe comandado pelo movimento "disco sucks" ("disco é uma bosta"), um verdadeiro grito de guerra anti-dance e, por consequência, anti-gay, com um slogan pra lá de homofóbico e racista, que dizia "burn, baby, burn" ("queime, meu bem, queime"), mas encontrava refúgio em boates como a Warehouse (Chicago), ao som de Frankie Knuckles (conhecido como pai da house music) e Paradise Garage (Nova York), com Larry Levan. Ambos os clubes abriram em 1977, e continuaram abertos até 1987, testemunhando a suposta “derrocada” da disco, que na verdade foi muito mais a transformação dela na house music, com a entrada de baterias eletrônicas e sintetizadores, como o Roland TB-303, que deu origem à vertente "acid house". Larry e Frankie foram duas das maiores forças que moldaram esse som.
A disco e suas ramificações também influenciaram o pioneiro do techno Kevin Saunderson, que morou em Nova York quando era criança e continuou a visitar a cidade aos verões, mesmo depois de se mudar para Detroit. Em uma dessas visitas, conheceu Larry Levan, na Paradise Garage.
"Ninguém nega que a disco surgiu da cultura noturna gay. Mas quando o house virou o acid house, que por sua vez deu origem ao techno e todas as suas vertentes, os gays sumiram da narrativa oficial", disse Luis Manuel-Garcia em seu artigo "An Alternate History of Sexuality in Club Culture" ("Uma história alternativa de sexualidade na cultura club"), um dos mais lidos no aclamado Resident Advisor.
Essa é uma longa história que merece ser contada direito e jamais esquecida novamente. A diversidade contribuiu muito para a cena da música eletrônica como conhecemos hoje. A omissão desse papel tão importante pode não ser uma discriminação consciente, mas é tão nociva quanto a homofobia descarada. Por isso, igualdade, tolerância e respeito deveriam ser valores sempre apoiados e defendidos pela cena musical. A riqueza sempre foi plural. Em 2021, nós já deveríamos saber disso.
Para mergulhar nesse enredo, assista o vídeo no YouTube.
Sobre o autor
From House to Disco
From House to Disco é formado pela dupla de DJs e produtoras Bruna Ferreira e Livia Lanzoni, que juntas somam mais de 10 anos de pistas. Obviamente apaixonadas por música eletrônica, possuem residência no Club Jerome.