Já pensou em colocar limites para se tornar mais criativo e/ou tornar suas sessões mais produtivas? Parece contraditório, mas, isso funciona.
Por exemplo, imagine colocar um limite de tempo ("vou terminar essa música em 5 dias") ou de recursos ("vou terminar esta música com até 30 canais")... você sabia que isto pode forçar a sua criatividade e deixá-la até melhor? E se você só tivesse um contra-baixo para fazer o som de uma banda inteira, como você faria isso? Parece impossível, não?
Este pensamento veio a mim enquanto assistia a um vídeo do Thomas Frank sobre produtividade, no YouTube, no qual ele fala que "limitações te tornam mais criativo e produtivo".
Fiquei meio intrigado quando vi, mas coloquei ao teste e funcionou! Vamos analisar isto?
Que tipo de limitações estamos falando?
Qualquer limite é válido neste experimento. Tempo, equipamento, qual direção queremos para a track (mainstream/underground), gênero, duração, elementos. Vamos pensar em duração para ilustrar isto que falamos.
"Eu quero um progressive house (gênero) mais voltado para o Yotto / Lane 8 com no máximo 5 minutos".
Pensando que você vai ter 1 min de intro e 1 min de outro, isso te deixa com 3 minutos para preencher a track. Ok, além disso isto vai te exigir colocar certos elementos com um pluck meio lead, um bass bem forte no low end e a construção da track ode ser que nem Yotto e Lane 8 fazem:
- Intro / Drop 1 / Bridge / Drop 2 / Break / Drop 3 / Outro
De certa maneira, estes limites de estrutura já começam a limitar as suas opções, uma vez que você não vai poder fazer um break de 2 minutos pensando que o seu "radio edit" vai ter em torno de 3 minutos.
Agora, você deve estar pensando que eu estou destruindo "o processo criativo" porque eu estou colocando limites antes mesmo de começar a track. Mas calma, isso vai te ajudar!
Por que não colocar limites é um problema?
No famoso livro "Roube como um Artista", de Austin Kleon, o autor cita duas frases:
- "Nada é mais paralisante do que a ideia de possibilidades sem limites";
- "A ideia de que você pode fazer o que quiser é aterrorizadora".
Ter inúmeras possibilidades te leva a ficar pensando demais, o que pode te levar a uma parálise decisória, o que pode te levar a não agir ou "passar da conta" do que você deve agir.
Vamos lembrar de quando você foi fazer uma mix... quantas vezes você não ficou travado, começou a fazer coisas por intuição, e no final você gosta menos da sua track? Inúmeras, certo?
Isto acontece porque você está fazendo a sua mix sem um objetivo final, sem saber para onde você quer ir com ela, e isso nada mais é que um limite. "Hora que eu deixar minha track assim, eu paro". Mas, se você não tiver o "onde quero chegar":
- Você nunca vai chegar;
- Você vai continuar sempre querendo mexer aqui e ali.
E se isso acontece pela falta de limite em uma mix, tenha certeza que isso vai acontecer na sua criação também.
Quando você pode criar tudo, você não cria nada. Mas, de novo, como você vai criar algo se você não sabe o que você quer criar, em qual direção, em qual ritmo? Quando você senta para escrever uma melodia, as vezes ela "clica", mas muitas vezes não achamos nada, mas será que isso não é porque não sabemos o que queremos também?
O problema, na maioria das vezes, não é a inspiração que não veio (apenas), mas a falta de um limite, seja ele qual for.
Crie limites, internos e externos.
Eu estava lendo sobre o Brian Eno, um fantástico compositor britânico, e ele disse durante uma entrevista: "(...) Eu começo falando este projeto vai ter três minutos e 19 segundos, e vai ter mudanças aqui, aqui e aqui, e vai ter uma sucessão de eventos aqui, e aqui o ritmo vai acelerar e vai entrar em uma parte mais calma para terminar."
Um ótimo exemplo do que é produzir com algo em mente. O Brian já começa a produzir sabendo o seu destino final e já tendo limites do que ele quer e do que ele não quer para este projeto, algo que recentemente comecei a fazer para todos os meus projetos.
Por exemplo, quando eu fiz a minha track "Stay With Me", no segundo dia de produção desenhei a track inteira.
Tendo este arranjo em mente, em tirei algumas conclusões:
- Sabendo que meu drop 1 teria 24 barras, eu sabia a quantidade de elementos que eu deveria colocar para sustentar estas 24 barras;
- Sabendo que eu teria uma bridge depois do drop 1, eu sabia que eu tinha que introduzir alguma coisa na bridge para crescer para a segunda parte do drop;
- Sabendo que o Drop 2 ainda teria mais 16 barras depois da Bridge, eu teria que adicionar mais elementos para continuar crescendo este drop, então eu não poderia crescer o drop 1 demais senão não iria sobrar espaço para crescer no Drop 2;
- No break da minha track por exemplo, eu planejei 40 barras, então pensei em 24 barras crescendo, uma queda e o build up voltando com tudo para mais 16 barras.
Veja como apenas me colocar limites de track me deu uma noção muito maior do que eu tinha que fazer.
Muitas vezes, quando não temos limites, vamos apenas criando no fluxo, o que pode dar certo. Mas, muitas vezes isso pode fazer com que o drop fique longo, ou eventualmente repetitivo.
Assim, estes limites te ajudam a te trazer um "norte" do que você tem que fazer e, sabendo o que e por quanto tempo você tem que criar algo, isso te ajuda a determinar a complexidade dos elementos, da melodia e de outros componentes da sua track. Sabendo o que você precisa adicionar, você também descobre o que você não pode adicionar, o que não vai caber, etc. Assim, você já começa a compor sabendo para o que você precisa compor.
Vamos colocar limites para uma próxima track?
Agora, vamos pra prática!
- Você quer que sua track seja Mainstream ou Underground? Os limites começam por ai porque se você quiser algo mainstream, ter um vocal seria uma boa opção. Vamos dizer que vamos fazer um mainstream e que vai ter um vocal, então não podemos colocar muita coisa pra não roubar a cena do vocal;
- Entre no Spotify/Youtube e selecione 3 ou 4 tracks que sejam parecidas que você fale "quero criar algo assim". Não precisa, e nem deve ser igual, mas faixas "na mesma linha dessa track" que você quer criar. Vamos pensar em fazer um House com piano estilo 17 do MK. Colocamos um limite no tipo de track que queremos;
- Qual será nossa estrutura? Estas tracks costumam ter Breaks com 24 a 32 barras e drops com 16 A 24 barras. Mais 24 barras de intro e outro. Então, temos isso aqui:
- Se pensarmos que vai ter vocal, podemos já desenhar ele também;
- Bom, se vamos ter um vocal, o break não pode roubar a cena do vocal, então vamos ter só pianos nas últimas 8 barras do break, e isso vai entrar no drop depois.
Veja como nossa track já tem shape, já estamos começando a desenhar o que ter em cada lugar. Não só isso, mas agora nós, tendo colocado este limite no nosso arranjo, fica muito mais fácil adicionar os elementos certos e evitar ficar colocando coisa desnecessária. Mas podemos ir além:
- Quero uma track em Fá Menor (limitando nossas notas disponíveis);
- Se vai ter vocal e vai ser mainstream, precisamos de um vocal mais pop. E seria legal um vocal feminino. Então precisamos achar uma vocalista mais pop;
- Como o piano vai predominar no drop, se eu colocar o piano na track inteira pode ficar repetitivo. Então começar com um bass e crescer para o piano no build-up pode ser interssante;
- Para o drop não ficar parado, depois de 8 barras de drop podemos adicionar um arp;
- Se eu travar na produção vou ouvir o Sonny Fodera ou o Sigala (outros artistas para não ficar muito igual ao MK) para ver como que eles desenvolvem as tracks, como eu menciono nesse post também.
E por ai vai. Agora é só criar tudo isso que já desenhamos, entre outra palavras, delimitamos para nossa track, e construir a track.
Você nem começou a track, mas agora você só precisa sentar para desenvolver o que já idealizou, limitando tremendamente a sua necessidade de criar algo "do zero". Afinal, agora você precisa procurar uma melodia que encaixe no que você quer, e não uma melodia sem saber onde você quer ir
E para que fazer isso? Para tirar o "e agora" da frente! Já colocamos os limites que queríamos, não tem porque ficar repensando o que já foi pensado. Sem ter que ficar repensando, o processo além de fluir melhor tem um fim já delimitado, evitando que a gente passe do limite.
Sobre o autor
Leo Lauretti
Nascido em São Paulo, Leo Lauretti começou em 2013 na produção musical e é o nome por trás da Abstrakt Music Lab (https://abstraktmusiclab.com). Com releases pela SONY Music/Liboo, Armada, Enhanced Music, o artista já acumula supports de artistas como Armin Van Buuren, Above & Beyond, Paul Van Dyk, Ferry Corsten, Cosmic Gate, Nicky Romero, e muitos outros.