Pesquisa realizada pela Play BPM aponta que a saúde mental dos DJs e produtores brasileiros está debilitada, especialmente no período da pandemia
Você sabia que o Setembro Amarelo é um movimento mundial de conscientização contra a depressão e o suicídio? Pois é, 10 de setembro foi escolhido em 2003 pela Organização Mundial da Saúde como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. Já no Brasil, a ação começou a ganhar força em 2015, quando a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização da Vida (CVV) se juntaram em prol da causa no país.
Falar sobre transtornos mentais e suicídio permanece um grande tabu. Ainda existe muita falta de informação e preconceito acerca dessa temática. O universo da música eletrônica, por sua vez, não foge à regra. Privação de sono, falta de tempo com família e amigos, a pressão da indústria musical, o álcool e as drogas, o sucesso, a fama, as redes sociais e o choque de experiências antagônicas em um curto período (shows para milhares de pessoas versus a solidão de um quarto de hotel no dia seguinte) são alguns dos possíveis gatilhos que desencadeiam distúrbios de saúde mental em DJs, produtores e outros profissionais do meio artístico.
A cena que tanto amamos pode ser um tanto quanto agridoce e, por isso, esse artigo tem como objetivo explorar como está a saúde mental de artistas brasileiros da Dance Music. Para deixar o texto ainda mais rico, bebemos direto da fonte, aplicando um questionário a 110 DJs e produtores que tiveram suas vidas profissionais extremamente impactadas pela pandemia do Covid-19 e a crise no setor de entretenimento.
De acordo com a cartilha “Suicídio: Informando para prevenir” divulgada pela ABP em 2014, “durante séculos de nossa história, por razões religiosas, morais e culturais, o suicídio foi considerado um grande pecado, causando medo e vergonha em falar sobre o assunto”. Além disso, os dados não mentem e são chocantes. De acordo com a página setembroamarelo.com, mais de 13 mil suicídios acontecem todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) informa que cerca de 96,8% dos casos de suicídio são relacionadas a transtornos mentais, sendo a depressão o principal motivo, seguido pelo transtorno bipolar e o abuso de substâncias. A faixa de idade é outro fator de atenção: o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Embora seja uma questão de saúde pública, nove entre dez casos poderiam ser prevenidos com o conhecimento dos fatores de risco e atenção dos profissionais de saúde, segundo a OMS.
A música eletrônica sentiu na pele o que a ausência dessas informações pode causar. Em 2018, perdemos para o suicídio Tim Bergling, mais conhecido como Avicii, fato que chocou toda a cena e colocou o debate sobre a saúde mental em voga no cenário mundial. Até hoje, comenta-se sobre como o artista anunciava seu sofrimento com sinais, tanto nas letras de suas músicas, como em sua fala.
Outros grandes artistas como Armin van Buuren, Alesso, Vintage Culture, Deadmau5, Ben Pearce, Hardwell e Alok fazem parte do grupo de profissionais da cena que lutaram ou ainda lutam contra transtornos mentais. O DJ holandês Hardwell, inclusive, decidiu parar por tempo indeterminado sua carreira em 2018, já que declarou não aguentar mais viver em “uma montanha-russa que nunca para”.
Embora o universo da Dance Music tenha um quê de glamour, a pressão e a rotina proposta por esse estilo de vida esconde que, por trás da CDJ, possa haver sofrimento. Depressão, ansiedade e outros transtornos mentais não têm rosto e não distinguem credos ou classes sociais. O dinheiro, a fama, as festas, o sucesso e o ônus de se trabalhar com aquilo que também é seu lazer, podem mascarar o que se passa no interior de cada um. Portanto, a atenção e apoio para aqueles passando por dificuldades é imprescindível nesse processo.
O nosso mercado está em constante ascensão, com artistas brasileiros conquistando o mundo. Com isso, cresce também nossa preocupação e responsabilidade enquanto veículo de comunicação para não apenas informar, mas também buscar formas de proteger àqueles que, porventura, possam estar passando por processos similares. Com intenção de olhar com cuidado para os profissionais da cena, analisamos as 110 respostas obtidas na pesquisa, que podem ser observadas a seguir.
Em primeiro lugar, é possível dizer que os resultados vão ao encontro do que tem sido divulgado ao longo desse período pandêmico: o isolamento social, a falta de eventos, o desemprego e todo o cenário político-social do Brasil fizeram com que o número de pessoas com transtornos mentais subisse estratosfericamente. Embora as respostas tenham sido alinhadas com o esperado, ainda assim foram chocantes, como o número de artistas com pensamentos suicidas entre 2020 e 2021. Dos entrevistados, 19 participantes alegaram já terem tido vontade de tirar suas próprias vidas, representando 17,3% da amostra. Esse número foi um dos que mais nos impactou, já que representa o quão perto essa realidade está de nós e o quanto a atenção e cuidado se fazem necessários. Por isso, exercer a empatia com ausência de julgamento é tão importante. Não se sabe pelo que o outro está passando e um olhar carinhoso e acolhedor pode fazer toda a diferença.
Em relação aos transtornos mentais Depressão, Ansiedade, Síndrome do Pânico e Burnout, apresentados na pesquisa, TODOS tiveram suas ocorrências aumentadas comparando o momento pré-pandemia e o atual. O resultado que obtivemos corrobora com um dos maiores estudos já realizados sobre esse assunto pela Universidade de Westminster em parceria com a MusicTank, o “Help Musicians UK”, que entrevistou 2.211 músicos e pessoas da indústria. Na ocasião, a pesquisa apontou que 70% deles afirmaram já terem passado por ataques de pânico e/ou altos níveis de ansiedade, além de 68,5% relatarem ter depressão.
Dos respondentes, 13 apresentavam casos depressivos antes da pandemia, enquanto 40 desenvolveram a condição durante esse período. A ansiedade, embora não tenha tido um aumento significativo, é o transtorno mental mais recorrente, com 60% dos participantes alegando sofrer com o transtorno. Aqueles diagnosticados com Síndrome do Pânico subiram de 1,8% para 7,3% e o os artistas com Burnout saltaram de 10,9% para 24,5%. Como é de se esperar, o número de pessoas sem nenhum sintoma ou não diagnosticadas com algum transtorno mental foi o único que diminuiu. Antes da pandemia, 44 pessoas não apresentavam sinais de doenças, número que caiu para 25 desde que o Covid-19 bateu às nossas portas.
Considerando que a pesquisa foi respondida por artistas de todos os níveis sócio econômicos, uma parcela de 22,5% afirma não estar conseguindo se sustentar apenas com a música nesta fase que vivemos, sem shows e/ou apresentações. Por outro lado, a grande maioria não pode dizer o mesmo, visto que 85 das 110 pessoas que participaram da pesquisa infelizmente não estão conseguindo garantir uma renda suficiente.
“É difícil ter tranquilidade para sentar, criar e extrair o máximo quando se está preocupado em colocar grana na conta para pagar contas básicas” , um dos participantes declarou na pesquisa.
A maior parte dos DJs e produtores, 60,9%, acredita que a pandemia proporcionou desacelerar a rotina, com alguns utilizando esse tempo para focar em suas produções musicais e outros projetos pessoais. Em contrapartida, 39,1% mostram o contrário.
Apesar do momento ser marcado por dificuldades e perdas significativas para todo o planeta Terra, estamos nessa há tanto tempo que não dá para deixar de mencionar aspectos positivos. A possibilidade de trabalhar de casa, passar mais tempo com a família, começar novos projetos e desenvolver novos hobbies são alguns exemplos citados em nossa pesquisa como medidas alternativas que visam o cuidado com a saúde mental e a capacidade de ressignificar esse momento. Além disso, as pessoas também buscaram diversas formas de ajuda e bem-estar. Dos 110 envolvidos, 40 buscaram auxílio de um profissional da área (psicólogo ou psiquiatra), 43 utilizaram técnicas de meditação e 99 praticaram exercícios físicos.
Por aqui falamos muito sobre o poder da música, como ela nos ajuda em processos de cura, como conseguimos nos conectar conosco e com outras pessoas e a forma que ela guia nossas emoções. Assim, questionamos se os artistas sentiram que a música os ajudou, de alguma maneira, a superar as dificuldades vividas nessa fase e a resposta passou raspando na unanimidade. A esmagadora maioria dos artistas alegou que ouvir música não é só uma forma de terapia, como também é essencial para manter a cabeça no lugar.
Quando perguntados a respeito dos ensinamentos tirados desta fase, a maior parte dos respondentes não deixou de mencionar a importância de cuidar do corpo e da mente, o que funciona como motor para que o resto dos aspectos da vida funcionem em harmonia. Outro aprendizado citado e que possui muita relevância dentro do meio em que trabalhamos é a habilidade de estabelecer limites e equilibrar melhor o trabalho com o restante da vida pessoal. Com o excesso de demanda, a tendência é que os cuidados e atenção relacionados aos temas pessoais acabem ficando de lado na vida de DJs e produtores.
Durante a pandemia, as pessoas tiveram de se reinventar em todos os sentidos, tanto profissional como pessoalmente, o que gerou uma série de aprendizados que valem a pena serem observados, como é o caso da necessidade em se falar sobre saúde mental. Não somente os músicos tiveram de se adaptar. Profissionais de todos os tipos do setor de entretenimento, como fotógrafos, produtores, donos de estabelecimentos, promotores de eventos, entre outros, se viram obrigados a procurar novas formas de se desenvolver. No primeiro semestre de 2021, verificamos como os diversos profissionais da música eletrônica estavam em relação às suas fases da vida e à saúde mental.
No entanto, à medida que a vacinação avança e outros lugares do mundo voltam ao “normal”, uma luz no fim do túnel começa a brilhar. Assim, ao serem questionados sobre as perspectivas para 2022, 95,5% dos artistas afirmaram ter boas expectativas para o próximo ano, enquanto apenas 5 dos 110 (4,5%) acreditam que ainda vamos demorar para sair dessa crise.
Os transtornos mentais podem atingir qualquer ser humano que esteja vivo. Dentro de um meio no qual é difícil manter uma rotina e as demandas são extremamente cansativas, falar sobre o assunto não somente é importante, como necessário.
Vale lembrar que saúde mental, assim como a própria música, não distingue ninguém. A pesquisa foi realizada com pessoas que estão ao nosso redor. Pessoas que, muitas vezes, aparentam ser felizes e não terem problema algum. Evitar o julgamento, tomar cuidado com as palavras e tratar todos com respeito e cuidado é responsabilidade de cada um de nós.
A música é catarse e os artistas são poetas. Para nos presentearem com sua arte, precisam estar com a mente e o corpo funcionando em perfeita harmonia. Por isso, não podemos deixar de dar relevância ao assunto e garantir que a felicidade e o bem-estar estejam presentes não somente nas pistas de dança, como também dentro dos estúdios e por trás da controladora.
Sobre o autor
Cissa Gayoso
Sendo fruto do encontro de uma violinista com um violonista, a música me guia desde sempre e nela encontrei a família que escolhi para chamar de minha. A partir de 2021, transformei minha paixão em profissão e, desde então, vivo imersa nas oportunidades e vivências que este universo surpreendente da arte me entrega a cada momento! De social media à editora-chefe da Play BPM, as várias facetas do meu ser estão em constante mudança, mas com algumas essências imutáveis: a minha alma que ama sorrir, a paixão por música, pela arte da comunicação, e as conexões da vida que fazem tudo valer a pena! 🚀🌈🍍