Sem eventos, sem trabalho? Profissionais da música eletrônica comentam fase da vida e saúde mental
Comemoramos o Dia do Trabalho neste sábado, primeiro de maio. E por coincidência, ontem (30), foi Dia do Profissional de Eventos. Num mundo pré-pandemia, era possível celebrar a vida (e as datas comemorativas) da maneira que os fãs de música eletrônica mais gostam: no meio da pista de uma festa. Mas hoje, num momento de incertezas, tanto o público quanto os profissionais da cena precisam deixar essa paixão de lado, com o intuito de contribuir para desaceleração da disseminação de Covid-19 pelo país, cumprindo as exigências do governo quanto aos protocolos de distanciamento social.
Parados desde março de 2020, os profissionais da música eletrônica estão efetivamente sem demanda de trabalho há mais de um ano. Se o público sente falta do ambiente das festas, imagina quem sobrevive por meio dele? Para entender como estão enfrentando esse período difícil, conversamos com alguns dos nomes deste cenário sobre saúde mental e a fase de vida em que se encontram.
Fauze Abdouch, um dos sócios dos clubs irmãos Laroc e Ame, explica que a rotina antes da pandemia era muito agitada, cercada de um planejamento estratégico de comunicação muito intenso, atendimento aos patrocinadores, busca constante por novas experiências para o público e operação de melhorias continuas na estrutura operações dos clubs.
"Naturalmente, como todos os integrantes do nosso segmento de entretenimento, tenho sido afetado diretamente em vários pontos de minha vida. Temos reflexos no nosso dia a dia, naquela rotina agitada dos eventos que não acontecem mais, reflexos financeiros e até mesmo uma busca constante por um equilíbrio psicológico pra enfrentar esse período super desafiador", explica. Com relação a saúde mental, ele revela ter passado por diversas fases, assim como os vários amigos do setor com os quais conversou. "No momento me encontro com a saúde mental estável e sereno, me dedicando ao máximo para manter a situação o mais estável possível. Além das dificuldades que acabam afetando a todos em nosso meio, tenho buscado alternativas nos esportes, tempo com minha família, retomada de hábitos como a leitura para manter essa busca constante pelo equilíbrio", completa.
Ele também buscou novas alternativas de trabalho neste período pandêmico, pois já tinha alguns outros negócios, os quais também estavam diretamente conectados ao segmento de entretenimento. "A Far, por exemplo, que tenho atuação direta, uma ageêcia de eventos, que durante esse período sofreu uma grande transformação e se tornou uma agencia de live marketing, mudando seu foco totalmente para o segmento corporativo, além de outros negócios que temos em nossa carteira que vem passando por uma transformação em busca de estabilidade nesse novo cenário."
O nome por trás do DJ e produtor Pirate Snake, Raul Mendes, é também produtor de eventos e sócio diretor da Equinox Entretenimento, acostumado a organizar desde festivais de música eletrônica até shows infantis, passando por musicais, eventos em clubs e até mesmo palestras. Ele também prestava consultoria artística e consultoria na área de eventos.
"A pandemia basicamente zerou toda a demanda. Conseguimos fazer dois eventos em formato drive In e algumas poucas aberturas em formatos bares. Perdemos mais de 95% da nossa receita e acumula-se prejuízos e dívidas com empréstimos", revela. "Para manter o salário dos nossos colaboradores, mesmo negociado em 50%, tivemos que usar de nosso 'know how', minha parte acadêmica e experiência em publicidade para buscar e atender alguns clientes pontuais."
Ele se considera uma pessoa que não se abala facilmente, mas que neste período teve inúmeras crises e altos e baixo, e que tornou-se mais ansioso.
Fernando Sigma, fotógrafo de eventos de música eletrônica, está praticamente sem trabalhos nessa função. Por isso, neste momento, expandiu o foco da Sigma Fotografia e passou a fotografar ensaios e produtos, além de criar uma marca de óculos de sol como alternativa de faturamento. Sobre a saúde mental: "(...) tem altos e baixos, boa parte do tempo bem, mas com muitas preocupações relacionadas ao financeiro. A saudade de trabalhar com fotografia em eventos (que é algo que amo muito) é um dos pontos que me deixa pra baixo às vezes, mas tento relevar isso. A maioria das vezes consigo, pois hoje tenho condições de pagar boa parte das minhas contas e ter o alimento na mesa, saúde e a família bem, que nesse momento é o mais importante", considera.
Já a Carol Felix, da FX Talents, conta que as funções não mudaram muito com a pandemia, porque continua fazendo a gestão da empresa, mas alterou o modelo de negócios, mudando a agenda de eventos e trabalhando com produtos que se adequam ao momento atual do mercado. "Hoje temos mais labels do que antes da pandemia, mais focado em lives e experiências open air ligadas a gastronomia e música. Acredito que logo mais poderemos dar o start com nosso mais novo projeto, o Senses Music & Food", revela. "Como nossa estrutura ainda era muito pequena, conseguimos criar produtos que funcionam na pandemia e nos rentabilizam. Hoje estamos estruturando a FX Talents para o pós pandemia."
Ela também revela que tem uma saúde mental boa, mas quando passa por ansiedade busca ajuda na meditação e na fé, o que a tem ajudado a enfrentar esse processo. "Um fato também que me ajudou muito foi fazer ação com os moradores aqui no Centro de São Paulo. Sempre gostei muito de cozinhar para meus amigos e receber em casa e senti essa vontade de cozinhar para os moradores de rua. Fazemos a ação toda quinta-feira e tem me ajudado muito, porque no final você é o maior beneficiado."
Por sua vez, a tour manager Cuca Pimentel se jogou de cabeça em novas experiências. Trabalhando como astróloga, ela conta que percebeu, logo no início da pandemia, que aquilo não terminaria tão cedo. Sem medo de recomeços e não querendo ficar parada, resolveu se ocupar com o curso de Astrologia Cármica. "Está dando super certo. Estou trabalhando bastante e muito feliz, porque astrologia sempre foi a minha paixão desde pequena. Ainda pretendo fazer outros cursos para complementar. A psicanálise é um deles. Aproveitei esse tempo para buscar mais autoconhecimento e isso me ajudou muito. Estou mais sensível do que o normal, mas quem não está, não é verdade? Mas sigo buscando me conhecer melhor, medito, rezo, faço o que gosto. Percebi que meu novo trabalho é extremamente curativo pra mim, pois consigo ajudar outras pessoas e assim acabo me ajudando também. Sou muito grata por encontrar esse meu novo caminho", reflete.
Antes da pandemia, Guilherme Accula, da MDAccula, trabalhava com promoção de eventos, sendo responsável pela divulgação, valorização da marca/label, com assessoria de marketing e estratégia promocional, tudo feito de forma digital por meio das redes sociais. Mas a crise acabou afetando seu trabalho da pior forma possível. "Nossa estrutura só funcionava com a existência de eventos. Com o fechamento de todo setor, ficamos totalmente sem trabalho para exercer. (...) O baque que tivemos no começo da pandemia foi grande, mas desde o início nossa sanidade mental está ótima. Estamos no aguardo dos eventos voltarem para logo logo estarmos todos de volta comemorando."
Ele explica que por conta das reservas financeiras está tendo o privilégio de poder esperar a retomada do setor. Mas garante que tem mantido sua marca girando, buscando novos negócios, à princípio não rentáveis, mas que agregam valor.
Só para ter uma ideia, de acordo com pesquisa do DATA SIM, a crise do coronavírus teve um impacto grandioso no mercado musical. Em pesquisa no início de 2020, mesmo antes do isolamento social ser obrigatório, 536 empresas foram ouvidas e declararam que mais de 8 mil eventos foram cancelados, cujo público seria cerca de 8 milhões de pessoas e mobilizariam 20 mil profissionais. Resultado? Prejuízo de R$ 483 milhões.
Se considerarmos os micro empreendedores individuais do setor da música, esse número seria ainda maior. Englobando empresas de produção, sonorização e iluminação, são cerca de 62 mil MEIs. De acordo com matéria do portal Tenho Mais Discos Que Amigos, a projeção seria de R$3 bilhões em prejuízos e 1 milhão de profissionais afetados.
Por isso, mesmo sem ter uma data específica para retomada do setor de entretenimento e eventos no país, é preciso ter consciência da importância do trabalho desses profissionais pela cultura nacional. Destacamos a necessidade de um olhar mais sensível para esse setor.
Sobre o autor
Vitória Zane
Editora-chefe da Play BPM. Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música eletrônica <3