De Belém para o mundo: Boiler Room desembarca na capital paraense exaltando o Tecnobrega. O que podemos aprender com isso?
O impensável aconteceu! Na semana do dia 12 de setembro, o projeto inglês Boiler Room, surgido em 2010 e referência em mapear DJs e a música eletrônica do mundo todo, publicou em sua página no Instagram um grande momento para a música eletrônica da Amazônia: o anúncio do início de sua nova temporada global de eventos SYSTEM x Havana Club em Belém, em uma noite completamente voltada para o tecnobrega, tecnomelody e rock doido. Joe Howard, um dos responsáveis pelo Boiler Room, deu a seguinte declaração: “O tecnomelody deve ocupar seu devido lugar como uma forma legítima e inovadora de música eletrônica”.
O evento foi protagonizado pelos sets de Miss Tacacá, DJ Meury, DJs do Crocodilo, DJ Verdelho, Leona Vingativa, Tiana Ferreira e Zek , em 19 de setembro, e contou com o apoio do festival Pisca e a curadoria da DJ Miss Tacacá, uma das principais idealizadoras do evento. A festa teve entrada gratuita, mas foi preciso se inscrever para participar e ter acesso ao endereço secreto. Os sets foram todos gravados e já estão todos disponíveis no canal do Boiler Room no YouTube.
Os estilos podem parecer novos para muitos aqui, mas o que aconteceu foi que, após as principais capitais do norte, como Manaus e Belém, terem contato com os estilos eletrônicos vindos dos EUA nos anos 90, esses estilos se chocaram com uma forte cultura regional que ocasionaria na mistura de gêneros durante as festas, levando produtores a misturar o brega (estilo muito popular em Belém na época) com batidas eletrônicas, sintetizadores e efeitos de voz, trazendo aquela vibe bem dançante e moderna, com um BPM de 160. Assim, em 2000 nasceria o tecnobrega, que pode ser considerado a “house” desses estilos, o primeiro de todos, que acabaria se tornando o ritmo das festas. Logo em seguida, viria o tecnomelody, o irmão mais calmo e romântico do tecnobrega.
Ele também mistura brega com música eletrônica, mas dá mais ênfase às melodias e ao teclado, com letras focadas em amor e paixão. O ritmo é mais suave e lento, com batidas por volta de 130 BPM. Já o “rock doido” é o irmão agitado do tecnobrega, essa vertente que vem surgindo recentemente onde o BPM é mais acelerado, em torno de 190 BPM, recebe influências e remixa estilos de fora do estado ou país, desde músicas de pagode até pop internacional.
Vale ressaltar aqui a cena de eventos de aparelhagem, que cresceu juntamente com a cena de tecnobrega na cidade, onde DJs se aproveitavam da proximidade com a Zona Franca de Manaus para conseguir acesso a equipamentos de discotecagem e som de alta qualidade e por um ótimo preço, realizando assim eventos de alta capacidade, com estruturas em forma de animais, como crocodilo ou águia, que remetem até mesmo a eventos como Só Track Boa ou Lollapalooza.
Agora que você já conhece os gêneros a fundo, a Play BPM separou alguns DJs extremamente importantes quando o assunto é tecnobrega, tecnomelody e rock doido.
DJ Lorran:
Com fortes influências do funk do RJ, é um dos principais nomes dessa nova fase do tecnobrega e do rock doido. Conta com hits como “Mais Pólvora”, que tem quase 2 milhões de plays no Spotify.
DJ Méury:
Outra representante do rock doido e a principal referência feminina do gênero. Meury conta com seu remix de “No Chão Novinha”, música de Pedro Sampaio e Anitta, que possui mais de 10 milhões de plays no Spotify.
Miss Tacacá:
Outra representante feminina que foi a primeira DJ a tocar no Boiler Room. Após muita insistência, conseguiu influenciar os organizadores do evento a trazer uma edição para a capital paraense.
Gang do Eletro:
Formada em 2008 pelo ex-radialista DJ Waldo Squash, pelo compositor Maderito, Keila Gentil e Wil Love, foi uma das principais responsáveis pela popularização do gênero. Em 2010, o primeiro álbum do grupo foi apontado pelo jornal O Globo como um dos 10 mais importantes do ano, com a música “Velocidade do Eletro” se tornando extremamente popular.
Vale mencionar também Gaby Amarantos, que não é DJ, mas foi uma artista primordial para a exportação do gênero e chegou a ganhar o Grammy Latino com uma música do estilo.
Entendemos que, no final das contas, o gosto musical é algo muito pessoal. Você pode amar ou odiar esses gêneros, porém, existem três pontos que o Pará tem a nos ensinar sobre a construção de uma cena cultural, em especial você ai, que luta pela cena eletrônica da sua cidade todo dia.
E o 1º ponto é: converse com as massas. Nesse caso, falamos mais sobre a produção musical, mas isso pode se estender até entender como funciona a cultura e a mentalidade das pessoas da sua cidade e assim tomar melhores decisões para seus sets ou na escolha de atrações para seu evento. Tanto o tecnobrega quanto suas subvertentes dialogam com sua população, entendendo suas peculiaridades, sua cultura e atendendo a essas demandas. Isso faz com que as pessoas se identifiquem, abracem a causa e assumam o ritmo como uma identidade, tirando-o da condição de algo nichado.
O que nos leva ao nosso 2º ponto: valorização interna. O paraense, por si só, é essa figura que ama e valoriza tudo que é seu. Em Belém, se come a comida de lá, se torce para os times de lá e se escuta a música de lá. Grande parte da popularização dos gêneros locais se deu por artistas paraenses indo para outras regiões e divulgando-os assiduamente, músicas de fora para serem tocadas la precisam ser remixadas para gêneros locais. Portanto, criar esse sentimento de orgulho interno é indispensável.
3º ponto: tempo. O tecnobrega já está aí há um bom tempo, com anos de luta sem desistir. Talvez você não seja a pessoa que colherá os frutos desse plantio, pois é algo que leva tempo e não depende inteiramente de nós. Porém, o importante é não parar antes da hora. Quem sabe você esteja fazendo algo maior do que você, e que mudará a vida de outras pessoas para melhor.
Conteúdo autoral - por Lucas Gheller
Imagem de capa: Reprodução.