
Roubo de gênero? As confusões por nomenclaturas na música eletrônica
No final do ano passado, ocorreu uma grande discussão na cena eletrônica que trouxe de volta a questão: o “Progressive House” produzido por artistas como Martin Garrix, Nicky Romero, Third Party, entre outros, deveria realmente ser chamado de Progressive House? Ou isso seria um roubo de nome? Sabemos que não é a primeira vez que uma treta por nome de vertente acontece na música eletrônica; podemos ver isso acontecendo em várias ramificações da música.
Por exemplo, podemos citar o novo som produzido por artistas como Hardwell, Will Sparks e Maddix, que, embora não esteja categorizado, muitos fãs chamam a vertente de Techno – o que, sem dúvida alguma, gera desconforto para o público do som nascido em Detroit. Ainda no Techno, a explosão do Melodic Techno também gerou uma certa faísca, com pessoas alegando que nem Techno a vertente seria. Já elevando o BPM, as comunidades do Trance e do Psy Trance também já geraram uma leve discussão pelo uso do nome. E, claro, a clássica House Music, que muitas vezes é confundida com os tantos sons diferentes sendo categorizados apenas como House.
“Nada pior do que entrar na aba de Techno no Beatport e escutar EDM, por exemplo. Sem juízo de valores, me refiro aqui a confusão que se cria por uma classificação leviana… Muitas vezes as próprias gravadoras criam estratégias mercadológicas para serem mais “vistas". Se o hype do momento é "Melodic Techno” acabam jogando uma música que tenha uma pegada mais Deep, por exemplo, ali no bolo do melodic techno, só para ter mais chances de visibilidade”
BLANCAh em entrevista exclusiva à Play BPMPara onde quer que a gente vá, sempre haverá um ruído sobre o que é, ou deixa de ser - e na música não é diferente, principalmente quando o som começa a flertar entre o Mainstream e o Underground. E, se você acha que isso gera problemas apenas no exterior, está enganado; já tivemos outras discussões grandes por aqui.
Não é a primeira vez no Brasil
Em nosso país, tivemos um caso marcante por causa do uso de nome em mais de uma vertente. Vamos então voltar um pouco no passado e reviver essa história. Um certo artista brasileiro, anos atrás, observou a dificuldade que ele e outros brasileiros tinham em categorizar suas músicas. Seus sons tinham uma particularidade especial: o grave. E ao tentar se encaixar no House, no Deep, no Techno, o som enfrentava barreiras e críticas. Estou falando de Alok, que, após essa dificuldade, começou a usar o termo “Brazilian Bass”. E daí para frente, sabemos bem o que aconteceu: o nome começou a ganhar força na cena nacional, outros artistas e fãs começaram a abraçar a ideia, criando um movimento onde várias pessoas gostavam daquele som e queriam consumir, aprender a produzir e falar sobre aquilo. O Brazilian Bass se consolidou como uma nova vertente, virando uma febre em nosso país, e começou a ser exportado para o mundo.
Esse foi possivelmente um dos momentos mais importantes que aconteceram na história da música eletrônica no Brasil, mas tinha um porém: a nomenclatura 'Brazilian Bass' atingiu outra bolha, a galera do Dubstep, Drum and Bass, Trap e outras vertentes. Como não lembrar quando a cena Bass Music brasileira fez um barulho após “furtarem” o termo “brazilian Bass”. Isso levou ao memorável vídeo, em 2016, de Alok e Zegon, do Tropkillaz, explicando a confusão, dando enfim, o “alvará” para o uso do nome.
“No que diz respeito ao consumo geral por fãs de música eletrônica, acredito que quanto menos discutirmos sobre qual música pertence a qual gênero, e quanto mais abraçarmos a pluralidade e a diversidade musical, melhor. Quebrar preconceitos e clubismos é essencial.”
Gui, da Braslive, em entrevista exclusiva à Play BPMIsso foi o fim da Bass Music? Não… Embora o gênero ainda não tenha o holofote merecido no Brasil, os artistas continuam fazendo suas músicas, à sua maneira, e tornando a comunidade mais forte. E um detalhe que não poderíamos deixar de citar também é o movimento que vimos ser criado nos últimos anos por Ruxell, Flying Buff e Shavozo, levantando juntos a bandeira da MEPB (Música Eletrônica Popular Brasileira ou Música Eletrônica Periférica Brasileira). Além de ser uma opção variável para a recategorização do que seria o Brazilian Bass, a sigla vem sendo abraçada por diversos artistas do gênero, se tornando muito importante para o crescimento, reconhecimento e desenvolvimento artístico da cena Bass brasileira.
Musica Eletrônica x Rap?
Fazendo um resgate ao surgimento de um som que ficou conhecido como Hard Trap, uma mistura de gêneros marcado por um screech estridente, beats de Trap, muitas vezes kicks da Hard Dance e muito grave. Ao ouvir esse som, ele ficou marcado na minha cabeça, e então comecei a buscar mais desse tipo de música. Porém, era difícil aprofundar mais nessa vertente, pois era uma sonoridade muito nova e com pouca definição do que era, de fato, o Hard Trap. Minha alternativa na época para aprender foi questionar tudo ao meu amigo artista Not Alone! – um dos maiores nomes do gênero que já tivemos no Brasil.
Acontece que, ao pesquisarmos o termo “Hard Trap”, podemos ser apresentados a outro caminho do que seria de fato a vertente, algo muito mais voltado ao Rap do que à música eletrônica. Esse outro caminho que podemos ser apresentados vem da mistura do Screamo do Rock com o Rap/Trap, sendo bem diferente da mistura com a Hard Dance que acontece na música eletrônica. Portanto, é comum haver confusão ao pesquisar sobre o gênero, onde podemos ser apresentados a artistas de Rap como Xxxtentation, Scarlxrd e Ghostemane, ou do eletrônico, como Lit Lords, GRAVEDGR ou Saymyname.
Aliás, já que falamos em Trap, esse gênero em si já gerou muita discussão também dentro da bolha dos produtores. Nascido nas ruas de Atlanta, a nomenclatura foi abraçada pela música eletrônica, dando holofote para artistas como Flosstradamus, NGHTMRE, RL Grime, entre outros, sendo um gênero extremamente relevante dentro da Bass Music. Mas, assim como o Hard Trap, o nome pode levar a outros artistas como Travis Scott, Lil Uzi Vert, 21 Savage, entre outros vários rappers
E olha que loucura: tanto o Trap quanto o Hard Trap cresceram na música eletrônica a ponto de serem destaques em grandes palcos de festivais como Ultra Music Festival e Electric Daisy Carnival. Foram criadas comunidades que amam esses sons, com diversos canais especializados nos gêneros, mas ainda hoje é possível encontrar discussões sobre a nomenclatura das vertentes, nos mostrando que os problemas sobre nomes podem ir além do nosso gênero. Agora, falando especificamente dentro da nossa cena, isso pode se intensificar quando temos diferentes vertentes, com diferente culturas e públicos, como por exemplo o choque entre o Trance e Psy Trance, ou até mesmo seus paralelos com o Techno.
“Sinto que é quase uma luta perdida. Os gêneros têm se misturado tanto nos últimos anos que parece muito difícil distinguir que gênero você está realmente ouvindo. Como um artista que evita classificar as faixas por gênero, eu desconsidero os gêneros tanto quanto possível quando se trata da minha música e da música que escolho tocar de outros artistas”
Disse Freedom Fighters em entrevista exclusiva à Play BPMVoltando ao Progressive House, o que está rolando?
Para que não haja acusações, vamos deixar claro: a intenção deste texto não é trazer a origem do Progressive House, mas abraçar a ideia da discussão em cima do termo da vertente, sem apontar dedos ou fazer acusações desnecessárias. Inclusive, para quem quer ler sobre a história, fica de indicação a matéria da Alataj sobre o início do Progressive House.
Talvez o termo dessa vertente seja o mais polêmico em nosso mercado musical, pois envolve vários aspectos que nos levam a confusões. A 'treta' começa em uma época que a música eletrônica estava começando a dar saltos maiores rumo a popularidade, big names da cena começavam a aparecer, e a comunidade eletrônica se expandia atraindo novos ouvintes. Isso em um tempo que não se discutia muitos detalhes sobre o mercado, e o acesso a informação também era bem limitado. Essas rupturas do passado nos levam até a problemática de hoje, com um mercado muito maior do que anos atrás, onde temos uma comunidade mais engajada, muito acesso à informação, e diversas fontes de conteúdo.
O legal de debatermos isso hoje em dia, é que podemos acompanhar relatos de diferentes figuras importantes na cena, que podem nos dar novas visões de como enxergar algo. Ideias como a de Zac, que também deu uma palavrinha para nós.
“Sobre as classificações erradas, isso sempre vai acontecer, afinal são milhares de músicas todos os dias e muitas experimentações, a cena está sempre em mutação, novos produtores abordam novas temáticas e misturam influências. Agora isso não dá validação para dizer ‘’classificar não é importante’’, devido a todos os problemas que acabam surgindo no longo prazo. Temos que olhar o que é o padrão e não a exceção, e o padrão é artistas conseguindo reconhecimento e até mudando de vida devido a uma música que explodiu de vendas no Beatport porque estava no lugar certo e pode ter um destaque.“
Declarou Zac em entrevista exclusiva à Play BPMEntre os comentários na polêmica reacendida em dezembro do ano passado, pudemos ler diversos depoimentos a favor e contra a denominação do progressive house por parte da EDM. Dos argumentos, haviam pessoas citando a raiz do Progressive House, a sua diferença com o som comercial, sua construção que lembra mais estilo X ou Y; outras já falavam sobre a evolução do Progressive House, até a chegada no som comercial, citando artistas como Eric Prydz, Kaskade, deadmau5, Avicii, entre outros. Deu para compreender diversos pontos de vista, mas o que chamou bastante atenção foi a acusação feita por diversas pessoas ao Beatport.
Beatport é o culpado?
Acusado por não fazer a separação correta anos atrás, o Beatport é apontado como um dos aspectos causadores da confusão em torno das nomenclaturas. O que acontece é que, em vez de criar um novo rótulo, a plataforma teria deixado que os artistas e gravadoras usassem o espaço do “Progressive House” para lançar novos sons, abrindo o leque de caminhos que a vertente tem. Sons esses, que afastam bem da matriz do clássico progressive.
“Acredito que a classificação dentro das “matrizes” de vertentes (Techno / House / Trance / Progressivo / Psy / Electro / etc - sem focar em subgêneros) tem uma importância grande, não só pelos pilares estéticos dessas “vertentes-mãe”, mas muito pela cultura por trás delas. Como surgiram os movimentos, os motivos além da música, o que representou e representa até hoje, o que evoluiu em termos culturais, etc. Isso é super importante inclusive para sempre resgatar que os gêneros não devem ser pautados prioritariamente por uma questão mercadológica.
Explica André Salata em entrevista exclusiva à Play BPME de fato, com tantas possibilidades que a música eletrônica toma, fica difícil a plataforma categorizar tudo que é produzido, gerando muitas vezes um desequilíbrio entre as vertentes. Um exemplo disso é termos a música mais popular, da artista mais bombada do Techno, sendo uma das tracks mais vendidas no chart de Trance. E não é só o caso da Charlotte de Witte com “The Age Of Love”, há diversos outros artistas de Techno em Trance, e vice-versa. O próprio Armin Van Buuren, em um podcast com a lenda Moby, comentou sobre essas confusões geradas na plataforma:
“…eu amo o Beatport, mas há um novo gênero toda semana… há muitos caras que fazem trance, mas eles acham que a palavra trance não é legal, então eles chamam de Melodic Techno. E eu nem sei a diferença entre techno melódico e trance, mas enfim…”
Comentou Armin Van BuurenAlguns anos atrás, o Beatport tomou uma ação na tentativa de separar as vertentes, algo que mudaria não só a aba do Progressive House, mas outras também. Eles criaram mais categorias, como a “mainstage”, separando de fato, o som EDM de diversas abas da plataforma. A ação tomada realmente filtrou a categoria do Prog, fazendo com que parassem de ser publicadas músicas mais comerciais. Mas no final, isso não foi o suficiente para que o som deixasse de ser chamado de Progressive House, pois o mundo já havia abraçado aquele som vibrante como Progressive, com uma legião de fãs que levantam a bandeira EDM e fortalecem a nomenclatura do gênero.
É tudo sobre respeito!
Como mostramos no texto, a discussão sobre gêneros pode ser ainda mais ampla, passando por várias camadas e vertentes da música eletrônica. Tentamos demonstrar isso trazendo aspectos e artistas de diferentes sonoridades. A discussão sobre um assunto do tipo é importante para a educação da cena. Ouvir novos pontos de vista pode fazer a gente refletir uma problemática e tentar compreender de outras formas, e para isso, queríamos trazer muito mais pessoas envolvidas com o mercado, mas o espaço acaba sendo curto dentro de um texto deste tamanho.
"É sobre música! Nenhum estilo musical é melhor que o outro, nenhum estilo musical é mais verdadeiro que o outro. A coisa toda é baseada em respeito. É tudo sobre respeito, respeito à música, respeito aos DJs, respeito ao público, e respeito de uns aos outros. É tudo música, a música nunca separa as pessoas!”
Compartilhou Carl Cox em seu perfil no XImagem de capa: Reprodução.
Sobre o autor

Pablo Brandine
Se emocionar, dançar e cantar até ficar rouco. Seu amor por música caminha por todos os gêneros da eletrônica.
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