Como a homofobia me impediu de viver minha própria verdade por 24 anos - e como superei tudo isso!
Caso você ainda não saiba, hoje, dia 17 de maio, celebra-se mundialmente a Luta Contra a Homofobia, pois nesta mesma data, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirava a homossexualidade da lista internacional de doenças.
É muito louco pensar que há 31 anos o mundo considerava quem fosse LGTB+ doentes. Minha história, sendo gay, não foi das mais fáceis, mas não consigo imaginar viver em uma época em que as pessoas assumidamente afirmavam que nós tínhamos que morrer. Você provavelmente já deve ter assistido ao vídeo no YouTube, onde uma repórter nos anos 80 aborda pessoas nas ruas - provavelmente de São Paulo - e questiona se elas estão sabendo dos assassinatos de homossexuais no Brasil e se concordam. É de ficar aterrorizado!
Lembra que a House Music surgiu lá nos anos 80, em Chicago, por pessoas em sua grande maioria pretas e LGBT+? Então, estamos falando da mesma época deste vídeo acima! Por isso que a música eletrônica carrega tanto simbolismo de resiliência, pois foi fundamental para essa parte da história.
E é exatamente por isso também que hoje, eu, homem gay, amante da música eletrônica e fundador da Play BPM, trarei como forma de reflexão aos que leem esta coluna, meu relato sobre como a homofobia esteve presente, me oprimindo, e me impedindo de viver a minha própria verdade por 24 anos. E como superei isso!
Eu nasci e fui criado em uma casa apenas de mulheres: minha mãe, avó e duas irmãs mais velhas - e não, isso não é razão para “tornar” ninguém gay. Quem é gay é gay e acabou. Nasce gay, vive gay e morre gay. Não existe um disjuntor onde você liga e desliga. -, mas conviver rodeado de mulheres te permite aflorar a feminilidade que existe dentro de todos os seres humanos. E assim eu fiz, desde cedo aflorei ao extremo a minha. O que eu sempre tive como privilégio, mas também foi a razão do meu bullying em boa parte da minha existência. Eu estudei na mesma escola, desde o pré ao colegial, e não posso reclamar, fui acolhido por muitas pessoas, que são meus amigos até hoje, mas para muitas outras eu era o “viadinho”, a "bichinha", o que tinha a voz fina, que andava de um jeito “diferente”. Hoje, eu sei que sempre soube que era gay, minha primeira memória data meus 5 anos de idade, quando comecei a reparar nos meninos e não nas meninas. Mas, mesmo tendo uma família super amorosa, que me aceitaria do jeito que eu era/sou, aquelas palavras, que não são xingamentos, mas foram desferidas como se fossem, enclausuram um menino, uma criança, que ainda não compreendia direito os seus desejos e sentimentos, nas profundezas do seu próprio ser. E essa criança cresceu, carregando cada dia mais um fardo, pesado fisicamente e emocionalmente. Um segredo que ninguém nunca poderia saber!
Você já parou para pensar como temos uma sociedade retrógrada no que diz respeito à criação dos homens? Desde muito cedo, a sociedade impõe de forma massacrante que, nós, homens, PRECISAMOS ser machões, pegadores, que não devemos expor e falar sobre nossos sentimentos, que não podemos andar de saia ou pintar as unhas, muito menos gostar de rosa ou brincar de boneca. É praticamente uma lavagem cerebral.
Quando cheguei na faculdade, onde cursei Publicidade e Propaganda, mesmo achando que poderia ser diferente, que as pessoas seriam adultas, passei por novos episódios de bullying/homofobia. Então a aceitação para mim estava cada vez mais longe de acontecer. Para você ter ideia da ‘loucura’, recordo-me que em um desses quatro anos de graduação, que eu pegava metrô todos os dias para ir e voltar, prometi que ficaria 1 mês sem olhar para outros homens na rua ou em qualquer outro lugar; eu não podia, eu não queria, aquilo era errado! Depois de formado, completamente infeliz com a minha vida pessoal e profissional, resolvi que faria um intercâmbio com dois objetivos: aprender inglês e me assumir gay.
Destino escolhido, no dia 15 de maio de 2016 desembarquei em Dublin, na Irlanda. Um país desconhecido, onde ninguém me conhecia e eu poderia ser quem eu quisesse.
Engano meu.
Os traumas e as cicatrizes de 24 anos de vida ainda machucavam, às vezes, pareciam até gritar. Demorei mais 6 meses. Eu estava pronto para pular de um penhasco, estava no ápice. Foi quando meu balde transbordou, e eu já não podia mais esconder dos outros, mas principalmente, de mim mesmo. No dia 30 de outubro de 2016, contei para um amigo que morava comigo e que eu tinha um sentimento de amor e irmandade. Foi sofrido. Chorei. Chorei e chorei. Soluçava. Uma dor de uma vida inteira havia sido revelada! Alguém que eu amava sabia!
Em poucos dias, minha vida mudou. Eu havia decidido que ninguém, nunca mais, apontaria o dedo pra mim. Eu “saí do armário” chutando a porta com os 2 pés. Contei para minha família e amigos mais próximos no Brasil, onde recebi todo o amor e suporte do mundo. Os que conviviam comigo na Irlanda, fui contando aos poucos, tanto que alguns, ainda sem saber, chegaram para mim e perguntaram o que havia acontecido, pois meu brilho e a minha energia estavam diferentes. E de fato estavam! Eu me sentia INCRÍVEL!
Quando eu disse acima que minha vida mudou em pouco tempo, eu não estava brincando, viu? Duas semanas depois, estava apaixonado por outro amigo brasileiro que também morava comigo, decidi ficar na Irlanda ao invés de voltar para o Brasil, havia, finalmente, optado pelo amor. Isso me deu gás para gritar ao mundo: EI MUNDÃO! EU SOU VIADINHO, BICHINHA MESMO! EU SOU GAY E NÃO TENHO VERGONHA NENHUMA DISSO!
E assim eu fiz, publicando essa mensagem e foto no dia 08 de janeiro de 2017, no meu Facebook.
Hoje, minha vida é completamente diferente do que um dia eu idealizei durante os tempos sombrios. Os meus medos por ser quem eu sou, sumiram. Mas, essa não é a realidade da maioria do público LGBTQIA+. Segundo a Carta Capital, em matéria publicada no mês de julho de 2020, um homossexual é agredido a cada hora no Brasil. E no mês de novembro, a EXAME divulgou que pelo 12º ano consecutivo o nosso país é o que mais mata transexuais no mundo.
Milhões de homens e mulheres ainda vivem com medo de expor suas verdades. Todos os dias essas pessoas acordam, colocam suas máscaras e armaduras e saem para sobreviver mais um dia. E ninguém que passe ou tenha passado por isso, sabe como isso é doloroso. Então, deixo aqui a minha pergunta: “por que eu, como ser humano, faço pessoas diferentes a mim ou o que a sociedade julga errado, se sentirem mal? O que eu ganho com isso? O que o universo ganha com isso?”.
A primeira parte é aceitar que sim: todos somos preconceituosos, todos somos racistas, todos somos homofóbicos, todos somos gordofóbicos, machistas… TODOS somos! Não é fácil, não é do dia para a noite, mas cabe exclusivamente a cada um de nós, nos desconstruirmos um pouquinho de cada vez, todos os dias. Entender que sim, somos criados em uma sociedade tóxica, mas que podemos melhorar, há espaço e tempo para isso, mas temos que começar hoje, agora, neste exato segundo.
Comece questionando suas próprias vivências, experiências, crenças, razões e motivos. Converse consigo mesmo. Guie-se através do amor e do respeito. Tenha orgulho da pessoa que é e como contribui para que o mundo seja um lugar melhor para as próximas gerações, de meninxs que terão dúvidas e incertezas sobre si mesmos, mas que isso não se tornará um fardo em suas vidas. Todo mundo tem o direito de ser feliz do jeito que achar melhor!
Para você, leitor e apaixonado pela música eletrônica que chegou até aqui, deixo algumas tarefas de casa vitalícias:
- Quer ter um(a) filho(a)? Tenha! Mas ensine-o desde cedo sobre a diversidade, o amor e respeito ao próximo.
- Ouviu alguém sendo homofóbico? Se possível, não fique quieto, principalmente se for alguém próximo, ou pelo menos, solidarize-se com a vítima.
- Ainda possui pré-conceitos com pessoas transexuais e travestis? Procure saber mais sobre, não julgue ou aponte o dedo, essas pessoas já são rejeitadas demais pela sociedade e vivem o pior cenário possível.
- Tem um(a) amigo(a) que está se descobrindo bissexual? Tá tudo bem, ele/ela só gosta de pessoas de ambos os sexos, não há problema algum nisso.
- Coloque-se sempre no lugar do outro, ninguém é perfeito, incluindo você, então por que falar dos outros sem antes olhar para o próprio umbigo?
- Se você acha que tem um amigo gay ou amiga lésbica, não tente-o arrancar para “fora do armário”, ao contrário, cerque-se sempre de pensamentos e opiniões que o/a faça sentir-se confortável para conversar sobre.
- Homem que chora, que não come todas as minas, que fala de sentimentos, que gosta de rosa ou de divas POP, não necessariamente são gays.
- Não utilize palavras de forma pejorativas ou pela “zoeira”, você não faz ideia de como está a saúde mental da outra pessoa.
- NUNCA, em hipótese alguma, faça um ser humano sentir-se mal por algo que ele não pode mudar.
Espero que esse texto tenha feito você refletir de alguma maneira.
Hoje, amanhã e depois, dentro ou fora do cenário da música eletrônica, sempre será dia de lutar contra a homofobia e qualquer tipo de descriminação!
Se você ainda não se assumiu: força! Tenha certeza que tempos melhores estão por vir, você merece viver a sua verdade! Você não está sozinho! Coloque-se sempre em primeiro lugar e faça o que for necessário pela sua felicidade: no futuro você entenderá tudo!
Toda forma de amar é permitida e jamais será considerada errada! <3
Sobre o autor
Rodolfo Reis
Sou movido por e para a música eletrônica. Há 7 anos, idealizei trabalhar com esta paixão, o que me levou a fundar a Play BPM. 3 anos depois, me tornei sócio da E-Music Relations. Morei na Irlanda por 2 anos, onde aprendi a conviver e respeitar ainda mais outras culturas. Já tiquei 28 países do globo, mas ainda sonho em ser nômade. Apelidado carinhosamente pelos amigos de "Fritolfo": quando o beat começa a tocar, eu não consigo parar de dançar.