A nova era do live stream: como o Coronavírus transformou a forma como consumimos música?
O modo como vivemos mudou para sempre. Foi-se necessário uma pandemia mundial para milhares de empresas ao redor do globo descobrirem que o home office pode sim ser muito eficaz e benéfico. Pesquisadores dedicados a estudos sobre a poluição do ar têm dados de que a qualidade do ar que respiramos está melhorando significativamente, tanto que alguns arriscam a dizer que como consequência muitas vidas serão salvas. Estamos todos descobrindo que é possível marcar uma reunião com velhos amigos, que presencialmente demoraria meses ou até anos para acontecer, por uma chamada de vídeo compartilhada. E, principalmente, abrimos ainda mais os olhos para uma das formas de consumir música que sempre esteve diante de nós: a internet.
Nunca antes na história criou-se tantos diferentes tipos de conteúdo online. É como diz aquele ditado: se Maomé não vai à montanha, a montanha vai à Maomé. Há 1 mês, você provavelmente estaria consumindo um conteúdo musical já pronto e gravado, ou simplesmente iria a algum show ou evento. Hoje, abrimos o Instagram e nos deparamos com inúmeras lives acontecendo simultaneamente e temos a difícil decisão de escolher qual assistir. E se pararmos para pensar sobre isso, de certa forma, aproximou ainda mais o DJ, ou até mesmo cantor, dos seus fãs. É estranho, né?
Pela primeira vez sentimos que somos mais íntimos dos nossos ídolos, simplesmente por eles estarem ali, ao vivo, de suas casas, para as nossas. Somente nós. Não estamos de modo algum dizendo que assisti-los pessoalmente, podendo sentir a energia das pessoas e compartilhando abraços e sorrisos com os amigos, não será como antes. Temos certeza que será, e muito mais intenso. Mas, estamos também dizendo que à partir de agora começaremos a ser cada vez mais bombardeados por conteúdo de qualidade musical online. Afinal, o futuro é online.
No Brasil, bons exemplos não faltam. Na música eletrônica, Vintage Cultureé um dos grandes nomes. Além de sempre entregar uma live de horas, muitas vezes começando à noite e indo até de madrugada, sempre com milhares de pessoas assistindo, o mato-grossense também abre sua live para que fãs sortudos tenham a chance de compartilhar a tela com o astro e bater um papo descontraído.
Outro case de sucesso que não podemos deixar de citar mesmo não sendo do nosso ramo, é da cantora sertaneja Marília Mendonça. A artista atingiu mais de 3,2 milhões de acessos simultâneos, no que se tornou a maior transmissão da história do YouTube. O show teve duração de mais de três horas e um repertório de dezenas de músicas, contando também com intérprete de libras. A live arrecadou mais de 225 toneladas de alimentos, duas toneladas de produtos de limpeza, entre demais produtos.
Mas se os artistas estão correndo atrás do prejuízo, os clubes também não ficam atrás. O Laroc Club, 18º melhor clube do mundo segundo a revista britânica DJ Mag em 2020, localizado no interior de São Paulo, encontrou uma forma de levar um pouco da magia que a casa oferece ao público, e de bônus conquistar milhares de novos fãs que não conheciam o clube ou que nunca tiveram a oportunidade de vivenciar a experiência ao vivo e a cores. Para isso, o novo projeto “Laroc Live” propõe que ao menos um DJ da cena nacional entregue um set diretamente do clube, sem nenhuma platéia, e de ângulos e locais nunca antes explorados, oferecendo uma experiência completamente nova até mesmo para os frequentadores do Laroc Club.
“No cenário da música eletrônica, fomos um dos primeiros clubes a trazer DJs – com equipe reduzida e toda segurança possível – para tocar e transmitir direto do clube. Já que não podemos receber o público, quisemos levar o Laroc até eles. O Ame seguiu os mesmos passos com o projeto ‘Ame Sunset Beats’. A intenção é oferecer entretenimento e uma experiência boa em meio à essa situação tão delicada, e manter o amor pelo clube aceso. Estamos recebendo bastante interações do público durante as lives. Fotos de amigos curtindo em videoconferência, drinks com copos do Laroc e pessoas usando nossos produtos. É legal ver que nossos frequentadores abraçaram a causa e estão – literalmente – vestindo a camisa. Cada um fazendo sua parte no isolamento social. Mas, mesmo assim, a música faz com que todos curtam juntos, mesmo que à distância”, conta Lívia Jacob, marketing do Laroc e Ame Club.
Um novo fenômeno no mercado musical são os festivais online, transmitidos diretamente da casa de cada artista para a casa do telespectador, seguindo um line-up previamente divulgado para todos se programarem e compartilharem uma vídeo chamada com os amigos. Como exemplos, temos o Tomorrowland que lançou o “ United Through Music”, tendo a primeira edição assistida por mais de 700 mil pessoas e que contou com sets lives dos DJs Lost Frequencies, Afrojack, Dimitri Vegas, e o brasileiro Vintage Culture. O festival ainda permitiu que pessoas em casa pudessem aparecer na live, assim como é feito nas próprias transmissões do Tomorrowland.
A STMPD RCRDS, gravadora de Martin Garrix, por sua vez resolveu inovar mais ainda e propôs um festival totalmente online com duração de 24 horas. O mesmo contou com as participações dos brasileiros Chemical Surf e Pontifexx. No final de semana do dia 03 ao dia 05 de abril, também aconteceu a primeira edição do “Digital Miracle – Online Music Festival”, com um recheado line-up de 51 diferentes artistas. O próprio Beatport também resolveu surfar nessa onda e lançou o “ReConnect”, acumulando mais de 8 milhões de visualizações e incríveis sets de artistas como RÜFÜS DU SOL, Carl Cox, ANNA, Gorgon City, entre outros.
Um dos maiores e mais famosos festivais do Brasil, o Lollapalooza também aderiu a essa iniciativa online. Marcado para este sábado (10), o #LollaBREmCasa apresentrá live de seis artistas, que estarão diretamente de suas casas. O festival ainda abriu espaço para o público pedir e escolher quem gostariam de assitir.
Em uma pesquisa realizada no Instagram do Play BPM, constatamos que 70% dos que responderam às perguntas disseram estar consumindo bem mais conteúdo online agora do que antes da quarentena, e 60% afirmaram que, após a pandemia, pretendem continuar adeptos a este formato. Em conversa com Maurício Soares, sócio-fundador da M-S LIVE e veterano da cena eletrônica nacional, o mesmo afirmou que o consumo de música eletrônica online não é de hoje, e veio para ficar.
“O risco inerente à experimentação se torna, automaticamente, menor do que o risco de não se fazer nada novo. Acredito que agora veremos um movimento de diversificação de dinâmicas e formatos, mais estruturados, com uso amplo de ferramentas de interação. Acredito também que a colaboração entre diferentes disciplinas técnicas e artísticas, como o set do Dixon para o Boiler Room na semana passada com vários recursos e efeitos gráficos na transmissão, será cada vez mais comum – e é algo super bem-vindo para aumentar a atratividade de um conteúdo que é, muitas vezes, visualmente monótono. Muitas iniciativas terão vida breve e não sobreviverão sequer à quarentena. A maioria delas. Mas algumas coisas, aquelas que conseguirem se transformar em negócios economicamente sustentáveis, vão ficar. Essas, creio eu, serão as que conseguirem combinar de forma consistente um conteúdo de alta qualidade e relevância com um trabalho de community management muito bem-feito”, avalia Maurício.
Mais uma vez, a necessidade mostrou-se uma porta de entrada para transformações na humanidade. A imposição de distanciamento social colocou a indústria do entretenimento em uma sinuca de bico, e pela necessidade, precisou se reinventar. Estamos vivendo sim uma “revolução” na maneira como o conteúdo artístico é divulgado e cada vez mais estaremos expostos a novas formas de consumo. A ideia é se adaptar e curtir a música, pois esse instinto humano é um dos mais antigos e irá perdurar, com certeza, para sempre.
Sobre o autor
Rodolfo Reis
Sou movido por e para a música eletrônica. Há 7 anos, idealizei trabalhar com esta paixão, o que me levou a fundar a Play BPM. 3 anos depois, me tornei sócio da E-Music Relations. Morei na Irlanda por 2 anos, onde aprendi a conviver e respeitar ainda mais outras culturas. Já tiquei 28 países do globo, mas ainda sonho em ser nômade. Apelidado carinhosamente pelos amigos de "Fritolfo": quando o beat começa a tocar, eu não consigo parar de dançar.