Escassez intencional ou acidental? Entenda o que está acontecendo com o Trance
A cena eletrônica mundial vive transformações o tempo todo: novos artistas surgem e antigos desaparecem, gêneros ficam em alta e depois praticamente somem. Quem se lembra da febre do Tropical House, por exemplo? Essa constante metamorfose é inerente ao nosso mercado e o período de pandemia pode ter acelerado alguns processos. Minha análise hoje para a coluna “Fala Aí Flosi” é sobre o gênero Trance e o momento que ele vive na indústria atual.
Antes da análise, vamos aos fatos. Muitos fãs ficaram chocados com o anúncio das labels hosts dos palcos da edição deste ano do Tomorrowland na Bélgica feito em janeiro. Muitos notaram a falta do palco ASOT de Armin van Buuren. A label A State Of Trance esteve presente nos últimos anos do festival, movimentando milhares de fãs, ansiosos para viver momentos mágicos ao som deste gênero tão querido por muitos. Em um primeiro momento, só podíamos tirar conclusões precipitadas, ou suspeitar de alguma movimentação de mercado.
Contudo, ao chegar no Ultra Music Festival em Miami, em março deste ano, percebemos que o ASOT foi trocado de dia e de palco: não mais acontecendo no domingo, encerrando o festival, e sim na sexta-feira, dia mais curto do evento. Também não estava mais no Mega Structure, mas sim no Worldwide Stage, com uma capacidade menor do que a metade do anterior. Carl Cox, que já liderava esse palco por dois dias no festival nos anos anteriores, tomou conta dos três dias na edição de 2022.
A junção destes fatores me fez pensar muito se talvez seria algum problema criado pela label ASOT ou por Armin de alguma forma, mas não, já que o artista continua nos line-ups de ambos os eventos em seus palcos principais. Portanto, o que será que aconteceu?
Outra análise foi a quase não existência das festas de Trance durante o Miami Music Week, uma semana que, naturalmente, recebia diversas delas. Vemos a cada dia uma diminuição no número de eventos de Trance, mesmo colocando em perspectiva os mercados Europeu e Norte-Americano.
Outro exemplo é a ascensão da Anjunadeep frente a Anjunabeats. Para quem não sabe, as labels criadas por Above & Beyond, juntamente com outros artistas, como Jody Wisternoff, têm sonoridades distintas. Enquanto a Anjunabeats foca no Trance e suas subvertentes, a Anjunadeep tem como principal sons melódicos de House e Deep House. A “Beats” é mais antiga e sempre teve mais força, quando comparada à sua irmã mais nova “deep”. Mas elas estão ganhando outros pesos, tanto em relação a turnês mundiais de festas próprias quanto as diversas edições da Anjunadeep pelo mundo, como na Inglaterra, em clubs como a Printworks; o próprio festival Anjunadeep Explorations na Albânia, que aconteceu este mês; e o sucesso de vendas da estreia da label no Brasil, na ARCA, em São Paulo, no dia 6 de setembro.
Muitas festas que davam um enorme suporte para esse gênero, como a holandesa Sensation, que teve como headliners Tiësto (na sua época de Trance), entre outros como Paul van Dyk, Andrew Beyer, Markus Schulz e Ferry Corsten, não existem mais. Quando eu me pergunto se a escassez é intencional ou acidental, quero trazer a discussão sobre a demanda por esse gênero, se existem fãs que querem consumir esse som, ou se os artistas desistiram desses projetos,cansaram da vida de turnês, ou uma somatória de fatores que fizeram com que esse nicho de mercado fosse se dissipando aos poucos.
Outro exemplo nítido é a falta ou quase inexistência de artistas brasileiros deste gênero. Em noites como Armin na ARCA, onde no restante do line-up de suporte não há nenhum artista de Trance. Não há porque eles não existem.
Vivemos neste fim de semana (11) um show de Ferry Corsten, onde no meio de outros artistas como D-Nox, Roland Clark e Volac, tudo que ele tocou não era Trance: remixes de suas tracks que puxam para outros estilos mais comerciais ou até de Progressive House, mas não mais Trance.
Quem aqui se lembra de Wrechiski e Danilo Ercole? Dois grandes artistas brasileiros que tinham suas tracks com suportes enormes de grandes nomes do Trance mundial, e que estavam presentes nas festas do gênero aqui em nosso país. Essa cena não pode ser confundida pela do PsyTrance, que diferentemente tem diversos artistas nacionais, com uma gama enorme de festivais pelos quatro cantos do Brasil.
Então seria uma escassez acidental? Não há mais demanda de fãs, portanto, não mais shows, portanto, os artistas desistem de seus projetos ou migram sua sonoridade? O exemplo mais antigo é o já citado Tiësto, que migrou para um som comercial. Mas isso está cada vez mais latente. O próprio Armin, quando se apresenta nos palcos principais dos festivais, apresenta sets bem comerciais e seus recentes lançamentos são bem direcionados para rádios e o Spotify, fugindo cada vez mais do Trance tradicional da década de 2000 e 2010.
Em contrapartida, na Holanda, onde o Trance sempre foi muito consumido, os eventos de Armin, por exemplo, organizados pela grande ALDA Events, continuam a mover milhares e milhares de fãs, como o “This Is Me” que foi remarcado diversas vezes pela pandemia. O que traz a pergunta da escassez intencional: estariam os organizadores de evento tirando o Trance de cena de propósito? Dando espaço intencionalmente para outros estilos que ganham os charts do Beatport, como o Tech House e o Techno? A resposta correta não teremos, mas a intenção deste artigo é a discussão, fazer com que nós, fãs de música eletrônica, pensemos e tentemos entender os movimentos dessa indústria que tanto amamos.
Fiquemos atentos aos desdobramentos desse nicho do Trance e o que o futuro reserva para os amantes deste gênero. Sabemos que há muitos que desejariam ter a oportunidade de assistir ao vivo artistas de Trance durante uma noite toda montada para o gênero. Mas, infelizmente, isso está cada vez mais raro. E você, o que acha disso tudo? Deixe seu comentário ou nos envie um direct com a sua opinião. Fico por aqui e até a próxima.
Imagem de capa: reprodução Facebook