RÜFÜS DU SOL: a história da 'banda' de música eletrônica que conquistou o mundo
- Por Caio Pamponét -
Não é nada fácil apostar todas as fichas alegando que um artista está "predestinado" ao sucesso desde os primeiros passos na carreira. Mas essa convicção sempre refletiu a trajetória do trio australiano RÜFÜS DU SOL, que conseguiu criar uma identidade sonora única e ser reverenciado pelos quatro cantos do mundo de forma meteórica.
A projeção foi tão grande que eu tenho certeza que você já escutou a clássica “Innerbloom” em algum lugar. Porém, seria um pecado resumir o RÜFÜS em apenas uma música. O grupo não só carrega um repertório recheado de hits como também já transcendeu as barreiras da música eletrônica, acumulando fãs dos mais variados gostos musicais.
E se engana quem pensa que eles são somente DJs. O trio de amigos é considerado uma das mais expressivas Live Bands de Dance Music da atualidade: Tyrone Lindqvist é o guitarrista/vocalista, James Hunt é o baterista, e Jon George o tecladista. Esse conceito raro de se ver hoje em dia rendeu dois álbuns platinados, mais de 6 milhões de ouvintes mensais e apresentações nos palcos dos maiores festivais do mundo, como Coachella, Lollapalooza, TomorrowWorld e Reading.
Mas o que será que torna esse grupo tão especial? Como conseguiram cativar uma legião fiel de fãs por todo o mundo?
Para entender um pouco disso, precisamos voltar no passado e conhecer a origem desse fenômeno.
Como tudo começou
O ano era 2010. Jon George concluiu o curso de engenharia de som e conheceu Tyrone Lindvist através de seu irmão. Os dois então se juntam para gravar um projeto acústico solo de Tyrone.
Conectados pela música, ambos compartilhavam da mesma paixão por grupos de música eletrônica como Chemical Brothers, Booka Shade e Röyksopp. Logo em seguida eles conheceram o baterista de uma banda indie local, James Hunt, formando assim o trio que viria a ser o RÜFÜS.
Com uma enorme sintonia, rapidamente criaram uma forte amizade e perceberam que podiam definitivamente criar algo juntos.
Em um dia chuvoso, em novembro daquele ano, na cidade litorânea de Byron Bay, na Austrália, os três jovens na faixa de seus 20 anos passeavam de férias quando tiveram uma ideia que mudaria o rumo de suas vidas: compor música.
Dentro de um quarto, com apenas um laptop, um software, o Ableton Live, e três mentes brilhantes, o grupo se reuniu para mergulhar de vez na arte. E assim nascia um dos grupos de música eletrônica mais inovadores da atualidade.
"A música eletrônica não precisa ser estritamente eletrônica, e nós brincamos com essa ideia há muito tempo"
Comenta George, tecladista do RÜFÜS DU SOLA estreia na indústria musical
Inspirados por uma sonoridade experimental, orgânica e autêntica voltada ao Deep House, eles soltaram seu primeiro trabalho em janeiro de 2011: o EP ‘Rufus’. Lançado no próprio selo do trio ‘Monkeleon’, o EP conquistou uma boa repercussão, alcançando o Top #8 e #13 nos charts do portal Hype Machine, com “We Left” e “Paris Collides”.
E como se já não fosse o suficiente para começar com o pé direito, o trio viu seu videoclipe de “We Left” ser indicado para o prêmio Vimeo Awards na categoria de ‘Melhor Vídeo Musical’, sendo um dos 12 finalistas globais.
O segundo trabalho, o EP ‘BLUE’, foi lançado em abril de 2012 e também recebeu um feedback considerável. Logo em seguida, em julho daquele ano, eles lançaram o single ‘This Summer / Selena’, pela gravadora britânica Continental Records.
Todos esses lançamentos saíam pelo Soundcloud, a principal e mais importante plataforma de divulgação musical do grupo na época.
Um fato interessante sobre o RÜFÜS é que, desde o início do projeto, eles sempre tiveram uma essência autodidata, seja lançando por sua própria label ou até mesmo desenhando as artes das próprias capas. Isso permitiu que o grupo estivesse sob o controle de todos os aspectos de sua carreira artística, idealizando e promovendo juntos o seu crescimento.
Os primeiros shows ao vivo
Se diferenciando da maioria dos projetos de música eletrônica, o RÜFÜS sabia que não seria mais do mesmo. Eles queriam trazer inovação e originalidade, tanto na sua sonoridade como em suas apresentações.
Tínhamos algo mais a oferecer em nosso som. Estávamos tentando adicionar o máximo de textura possível que fosse real e orgânica"
Comentou James em entrevista ao BeatportE foi com o conceito de Live Band que eles chamaram a atenção da cena. As pessoas não iam para simplesmente ouvi-los apertar um play na CDJ, mas sim para apreciar como eles dão vida às músicas - uma verdadeira experiência musical.
Criando sua fanbase de forma orgânica e consistente, RÜFÜS começou se apresentando nos bares locais de Sydney, e progressivamente foram fechando datas em palcos maiores.
Nossos primeiros shows foram um sucesso. Havia mais de 100 pessoas lá. Não podíamos acreditar"
Relembra o trioÀ medida em que seu som ultrapassava os limites geográficos e se aventurava fora da Austrália, eles logo conseguiram seus primeiros shows pela Europa, expandindo ainda mais o alcance.
O sucesso meteórico do primeiro álbum 'Atlas' (2013)
Determinados a entregar um projeto maior, o trio se concentrou no estúdio por quase um ano para preparar seu primeiro álbum. Em 9 de agosto de 2013, ‘Atlas’ foi liberado para o mundo, e com apenas três semanas de lançamento, o disco já estava no topo das paradas australianas, conquistando depois o certificado de platina no país. Com essa estreia, RÜFÜS venceu o prêmio de ‘Melhor Álbum de Dance/Eletrônica Independente’ do AIR Awards, premiação que promove o setor musical australiano.
O álbum criou um equilíbrio perfeito entre sonoridades alegres e darks, englobando todas suas influências musicais até então e incluindo alguns hits de destaque, como "Sundream" e "Take Me". Somente no Spotify, a obra já acumula mais de 250 milhões de plays e até hoje é uma das favoritas dos fãs.
Sem dúvidas, essa foi uma estreia surreal para um projeto que tinha se formado há menos de 3 anos.
A constância e evolução sonora com 'Bloom' (2016)
Seguindo um conceito de explorar a cultura de outros países para inspirar a produção de seus álbuns, RÜFÜS partiu para Berlim, capital do Techno, e compôs seu segundo disco.
Trazendo uma paisagem sonora ainda mais orgânica, 'Bloom' chegou no início de 2016 e logo alcançou o topo das paradas australianas, também conquistando um certificado de platina.
Lançado pela Sony Music, o álbum 'Bloom' retratou um amadurecimento musical do trio, que agora adotava elementos cada vez mais melódicos e influências do Techno.
O disco contém algumas de suas mais famosas faixas da carreira, como "You Were Right" (6x platina), "Like An Animal" (3x platina) e principalmente "Innerbloom", que se tornou um hino da música eletrônica moderna.
Da Austrália para os Estados Unidos
Em 2016, com o sucesso internacional já estabelecido, o grupo resolveu deixar seu país natal e ir para Los Angeles, ao perceber que precisava explorar afundo o mercado musical norte-americano.
E por alegria do destino, a decisão foi crucial para o crescimento do grupo, que imergiu na indústria fonográfica dos Estados Unidos e começou a fazer turnês em todo o mundo, da Holanda ao Reino Unido, da América a Oceania.
Se mudando para o coração de Venice, na famosa Rose Avenue (localidade que serviu de inspiração para dar nome a sua gravadora), os três amigos agora moravam juntos e a poucos metros do estúdio.
E foi justamente em Los Angeles que eles viveram alguns dos momentos mais marcantes de suas carreiras: três edições do Coachella (2016, 17 e 19), show gratuito no Píer de Santa Monica que ultrapassou a capacidade do local e um sold-out triplo de 50 mil pessoas no gigantesco BMO Stadium.
Mudança de nome
Sim, RÜFÜS DU SOL era somente RÜFÜS.
Depois de conquistar os holofotes mundiais e se mudar para os Estados Unidos, o grupo se viu obrigado a mudar seu nome artístico.
A confusão começou quando os representantes da banda Rufus, que revelou a rainha do funk Chaka Khan, reivindicou os direitos do nome da marca para ela.
Mesmo com a tentativa de tentar manter o nome original apenas em seu país natal, eles decidiram fazer oficialmente a alteração em 2018, adicionando um 'DU SOL' ao final.
“Acho que não conhecemos nenhuma outra banda que tenha dois nomes ao redor do mundo, então parecia apropriado mudar"
Explica Tyrone LindqvistA quase separação do trio e o álbum 'Solace' (2018)
Apesar da evolução artística, a mudança para Los Angeles representou um período muito complicado para os três amigos, que quase se separaram.
Acostumados a morar cada um em sua casa, o trio teve que aprender a dividir o mesmo teto - e a tarefa não foi fácil.
Enquanto produziam seu terceiro álbum, a relação se desgastava com tensões e conflitos frequentes. Era uma experiência que exigiu uma compreensão e maturidade profunda para eles.
Essa vivência conturbada foi o que impulsionou o conceito do álbum 'Solace', que explorou novos territórios, viajou por vertentes mais profundas e um lirismo mais sombrio e introspectivo. A obra ampliou seu universo de paisagens sonoras, traçando uma narrativa emocionalmente intensa.
"Cada música parece ser uma forte representação de um momento específico pelo qual estávamos passando"
Explicou Tyrone à revista PAPEREssa foi a primeira vez que o trio usufruiu de sintetizadores analógicos, percussões e guitarras num estúdio, já que antes faziam tudo através do notebook.
Com o lançamento do 'Solace' em 2018, que contou com hinos como "Treat You Better" e "No Place", RÜFÜS foi indicado pela primeira vez ao Grammy, como 'Melhor Álbum de Dance/Eletrônica e 'Melhor Gravação de Dance' por "Underwater".
O lançamento da própria gravadora: Rose Avenue
Em meio ao lançamento do álbum Solace, RÜFÜS anunciou em 2018 o lançamento de sua própria gravadora, a ROSE AVENUE Records.
Com o intuito de promover artistas promissores da música eletrônica, o trio já divulgou nomes como Cassian, Colyn, Township Rebellion, Bigfett, Lastlings e muitos outros.
A label de RÜFÜS surge como um lar de experimentação, inovação. Um ambiente de futuros talentos, além, é claro, de disseminação da sua própria música.
Reconexão, album 'Surrender' (2021) e Grammy
Mais recentemente, em 2021, RÜFÜS DU SOL anunciou o seu quarto álbum de estúdio: "Surrender".
As origens desse disco remontam ao período de pandemia vivida no planeta, quando o que era para ser uma excursão rápida no deserto de Joshua Tree, na Califórnia, acabou virando praticamente um 'retiro' para o trio.
Isolados do mundo e ainda digerindo o momento conturbado em Los Angeles, os amigos tiveram a oportunidade de se reconectarem e se restaurarem emocionalmente.
"Era um lugar tão mágico. É como se você estivesse no meio do nada, sob as estrelas. Isso fez com que escrever as letras fosse divertido e muito fácil para nós."
Explicou Lindqvist à estação de rádio americana WBURCom isso, o trio trouxe uma sonoridade atmosférica e imersiva, criando um ambiente balanceado entre as profundezas e a luz.
O resultado? Mais de 200 milhões de plays e hits como "On My Knees", "Next To Me" e "Alive" (single que rendeu o prêmio de 'Melhor Gravação Dance/Eletrônica' pelo Grammy).
O curioso desta obra é que o engenheiro de som por trás dela, que fez toda a mixagem e masterização, foi o DJ e produtor australiano Cassian, um dos grandes talentos da cena underground global.
O underground é preservado
Apesar de atingirem um público do mainstream, RÜFÜS nunca deixou sua essência underground de lado. Desde o princípio, o trio sempre explora sua raíz clubber lançando versões remixadas de suas tracks, produzida tanto por eles mesmos como por outros produtores de renome na cena.
Um ótimo exemplo disso é o compilado de remixes do disco ‘Surrender’, liberado logo após o sucesso de seu 4º álbum de estúdio. O lançamento contou com participações de Vintage Culture, Innellea, Anyma, Adriatique, Colyn, Solomun, Cassian e muitas outras estrelas do house/techno melódico.
A organização do próprio festival: Sundream Baja
Em 2022, o trio revelou ao mundo sua mais nova criação: o festival Sundream Baja.
Realizado durante 8 dias, ao longo de dois finais de semana, o evento estreou na magnífica praia de Tulum, no México, representando a estética sonora e visual do grupo: a natureza encontrando a tecnologia.
Com o sucesso da primeira edição, o festival foi renovado para uma segunda edição em maio deste ano em San Jose del Cabo, na costa mexicana.
Trazendo uma vibe tropical, rodeado de esculturas de pedra, cactos e palmeiras, os próprios caras do RÜFÜS fizeram a curadoria do festival, escolhendo à dedo seus artistas favoritos para tocar, além de idealizarem toda a estrutura e design do evento.
No palco encantador do Sundream, passaram nomes como Monolink, Tale of Us, WhoMadeWho, Bob Moses e Adam Port, artistas que se conectam perfeitamente com o conceito do festival. E como não podia faltar, é claro, o trio fez duas performances super especiais, uma em Live Set e outra como DJ Set.
Apresentações ao vivo
Hoje em dia é difícil ver artistas de música eletrônica se aventurarem em live-sets, com instrumentos e vocais ao vivo abrilhantando as apresentações, e RÜFÜS é uma exceção à regra, motivo pelo qual talvez tenha se destacado tanto na indústria musical global.
Com baterias eletrônicas, teclados, guitarras e vocais intensos, a 'banda' cada vez mais tem tornado os seus shows uma experiência audiovisual magnífica.
Não é à toa que eles tenham conquistado o prêmio de ‘Melhor Ato Ao Vivo do Ano’ pela Electronic Music Awards, em 2017.
Um dos segredos do sucesso
Mesmo com a uma trajetória de mais de uma década, um dos motivos de RÜFÜS DU SOL ter sido "predestinado" ao sucesso pode ser expressado pela forma saudável como o trio conduziu a carreira.
Como já dito aqui, para além de três artistas talentosos, eles também são três grandes amigos que aprenderam a conviver entre si. E talvez o segredo esteja aí.
Quando estão na insana rotina de turnês, eles se distraem e se divertem fazendo coisas juntos, como jogar videogame e jantar.
Fizemos algumas decisões muito boas, como tomar banho de gelo juntos depois de um show, tomar chás de gengibre no pré-show em vez de uísque. Fazemos exercícios de respiração juntos e ocasionalmente jogamos uma partida de Fifa antes ou depois de tocar"
Revelou Tyrone à revista americana EsquireMuito mais do que um trio de música eletrônica
Num mercado tão concorrido como o da música eletrônica contemporânea, RÜFÜS DU SOL surge como uma dose refrescante de originalidade, que desperta sentimentos com as melodias e evoca reflexões com suas letras.
Existem grupos que se destacam no estúdio, mas pecam no ao vivo. Esse não é o caso dos três amigos australianos. Eles podem tocar tanto em pequenos clubes como em arenas gigantes - a performance será igualmente radiante.
A boa relação entre os membros, a personalidade de sempre gerir a própria carreira, a coragem de arriscar em novas sonoridades. Todo esse emaranhado de fatores pode responder as perguntas do início deste artigo e compreender porque AMAMOS tanto esse projeto incrível que é o RÜFÜS.
Eles são mais do que um simples trio de Dance Music, é uma 'banda' com uma estética extremamente autêntica e renovadora, um respiro libertador numa indústria tão padronizada e rigorosa como a da música.
Agora, depois de acumular inúmeras conquistas, o trio anunciou que fará uma pausa nos shows e retorna para sua cidade natal na Austrália, onde tudo começou. A jornada do projeto ainda é longa, então podemos ter certeza que ainda vamos ouvir falar muito por aí sobre RÜFÜS DU SOL.
Imagem de capa: reprodução.
Sobre o autor
Caio Pamponét
Graduando em jornalismo pela UFBA e Redator da Play BPM. Um apaixonado por música desde a infância que cultiva o sonho de viajar pelo mundo fazendo o que ama e conhecendo novas culturas. Com um desejo inerente de fomentar a cena eletrônica de sua terra - Salvador, BA, Caio Pamponét respira os mais diversos BPM's e faz da música o seu combustível diário.