Música eletrônica é essencial para a indústria musical mundial: entenda como está a cena de Dance Music segundo relatório do IMS 2023
- Por Caio Pamponét -
Você se lembra de uma declaração do David Guetta em 2021, quando a Covid-19 nos obrigou a ficar em casa por meses, que os melhores anos da Dance Music viriam após a pandemia? Pois é. Esse “palpite” vem se mostrando cada vez mais concreto, e vamos explicar o porquê.
O International Music Summit divulgou recentemente seu relatório anual sobre o mercado da música eletrônica atual, trazendo resultados impressionantes e muito animadores para nossa cena.
Apresentado na 14ª edição do IMS Ibiza, o “IMS Business Report” contou com a parceria da MiDiA Research, empresa dedicada a analisar métricas da economia digital, e abordou variados temas interessantes para trazer um panorama detalhado da indústria da Dance Music.
O que será que esse relatório tem a nos revelar? Trouxemos uma análise aprofundada sobre os dados, instigando reflexões e percepções acerca da cena eletrônica. Confira agora:
A importância da música eletrônica para o mercado de produção musical
Os dados do relatório afirmam que a receita do mercado de produção musical (software, hardware e cursos) atingiram o histórico valor de 6,6 bilhões de dólares em 2022 (cerca de 31.5 bilhões de reais). Desse total, US$ 2,8 bilhões (42,42%) foram atribuídos aos produtores de música eletrônica, destacando a relevância do gênero para toda a indústria.
Essa evolução trouxe uma reflexão interessante: a música está cada vez mais democrática. Antigamente, para se produzir música de alta qualidade eram necessários equipamentos caros e treinamento especializado, estrutura na qual nem todo mundo tinha condições para investir – mas hoje em dia o cenário é diferente. Um computador e a paixão pela música podem ser o suficientes para fazer músicas incríveis e alcançar sonhos inimagináveis.
Com o maior acesso a essas tecnologias, uma nova geração de artistas e produtores independentes surgem à medida em que escolas de produção musical, cursos on-line e tutoriais nas mais variadas línguas tornam-se mais populares.
Outro fator interessante é observar a evolução dos softwares e hardwares musicais e seu papel crucial para o setor. De novas DAWs, instrumentos virtuais a controladores MIDI e interfaces de áudio, a ampla variedade de ferramentas disponíveis atualmente é impressionante. Em paralelo, o surgimento de plataformas de streaming como Spotify, Deezer, Apple Music e outras tem contribuído para esse mercado. Os royalties (apesar de limitados) permitem que músicos invistam em melhores equipamentos e softwares para se destacar num mercado cada vez mais concorrido.
A cena eletrônica é dependente dos shows ao vivo
Depois de uma pandemia catastrófica, em que ficamos quase dois anos sem viver a verdadeira experiência de um show ao vivo, esperávamos que o mercado demorasse para retornar como era antes.
Apesar disso, vimos o ressurgimento de uma cena musical fortíssima, impulsionada por uma agenda de shows imparável. Apenas neste ano no Brasil, festivais gigantescos foram e estão sendo realizados, como Tomorrowland, Ultra, Lollapalooza, The Town, Mita e Primavera Sound. Sem contar a impressionante lista de artistas que desembarcam na nossa terrinha depois de anos: Swedish House Mafia, Eric Prydz, Deadmau5, Hardwell e David Guetta, para citar alguns.
E os números não mentem. O ano de 2022 superou recordes anteriores, com a receita da Live Nation - maior empresa de eventos ao vivo da América do Norte - ultrapassando os níveis pré-pandemia, aumentando em 166%. A indústria de shows cresceu mais que outros setores (como de gravadoras, editoras e streaming), tendo um aumento de receita de 276%.
Os clubes e festivais foram responsáveis por quase metade de toda a renda do setor da música eletrônica em 2022, com US$ 4,1 bilhões (cerca de R$ 19.5 bilhões), um aumento de 65% em relação ao ano anterior.
Outra notícia boa é que os shows de música eletrônica cresceram 6% nos festivais, chegando a ocupar 39% dos line-ups, com os bookings de DJs aumentando em 314%. Com isso, uma condição segue firme: a música eletrônica é essencial para a indústria de shows ao vivo, e os shows ao vivo são fundamentais para manter a cena eletrônica de pé – é uma relação de dependência.
TikTok: ferramenta indispensável para os artistas
Que as redes sociais tornaram-se o principal meio de divulgação artístico na modernidade, não há o que discutir. Apesar disso, nenhuma outra plataforma alcançou tamanho impacto na cena eletrônica global como o TikTok. Segundo o relatório, o principal impulsionador da indústria de Dance Music atual é justamente ele.
E não é exagero dizer isso. A fanbase de música eletrônica é uma das maiores do app, crescendo 10 vezes mais em relação a gêneros mais tradicionais como o Hip Hop, sem contar na expansão constante em plataformas de streaming como Youtube e Spotify.
A média de usos diários da hashtag #ElectronicMusic no TikTok aumentou 113%, além do fato de que o recorde de live mais assistida da plataforma tem um dono bastante conhecido por nós: David Guetta.
Muitos DJs viralizaram e mostraram seu potencial artístico graças ao TikTok. É o caso do brasileiro Mochakk, que através da criativa geração de conteúdos na plataforma ganhou reconhecimento e hoje é um dos maiores nomes do Brazilian Storm, acumulando mais de 1 milhão de seguidores e mais de 10 milhões de visualizações.
Não só ele, como muitos outros artistas têm investido no TikTok, que está redefinindo a forma de produção de conteúdo e divulgação artística da indústria musical, promovendo e abrindo portas nunca antes vistas à toda a comunidade (de figuras emergentes a estrelas já estabelecidas).
Soundcloud, um grande aliado da indústria eletrônica
Criado em 2007 na Suécia por Alexander Ljung e Eric Wahlforss, a plataforma de streaming Soundcloud já é tida como uma das melhores companheiras dos DJs e produtores musicais, moldando e impulsionando a cena eletrônica.
Utilizado (e amado) por muitos para descobrir novas músicas, escutar sets, lançar remixes/mashups, ou até mesmo salvar demos, o serviço cresceu bastante no último ano, chegando a ter um aumento de 24% no número de plays em tracks de Dance Music em relação a 2021.
Para além do desempenho empresarial, fica evidente como o Soundcloud é essencial para os artistas independentes e em início de carreira. Em 2021, um novo modelo de pagamento foi inserido pela plataforma, aumentando em até 500% os pagamentos de royalties. Com ele, a receita de plays ou publicidade alimentada pelos usuários são alocadas diretamente para os artistas que eles escutam, uma espécie de “Fan-Powered Royalties”. Esse formato é diferente em outras empresas como o Spotify, por exemplo, que distribui o faturamento para quem tem os direitos das músicas (gravadoras, publicadoras etc.).
Sem dúvidas, o Soundcloud ainda tem muita a contribuir com a cena eletrônica, transformando o mercado e revelando novos artistas para o mundo, como é o caso do próprio Vintage Culture, que ganhou reconhecimento nacional com seus remixes lançados na plataforma de streaming há quase 10 anos.
Ganhar a vida com música eletrônica: um longo desafio
Quem conhece minimamente o mercado sabe o quão difícil é se sustentar apenas com a arte - principalmente música. O relatório do IMS revelou que apenas um em cada cinco artistas de música eletrônica conseguem deslanchar na carreira e ganhar a vida com a profissão.
Além disso, os dados descortinam uma realidade muito cruel: cerca de 45% dos produtores não ganham nada com Dance Music, com 85% da cena atuando apenas por paixão. O estudo avaliou que os maiores desafios para lidar com uma carreira na música eletrônica são ganhar reconhecimento e não ter tempo nem recursos financeiros suficientes para investir.
Não há como negar que nosso mercado vem crescendo e ganhando reconhecimento em vários nichos culturais e artísticos, mas para se manter dentro dele é preciso muita persistência e confiança. Só você pode acreditar fielmente no seu som, na sua identidade. A chave não é lançar em quantidade, mas com qualidade e consistência.
A igualdade de gênero ainda é uma realidade distante
Numa cena majoritariamente masculina, ser mulher é nadar contra uma correnteza de críticas, maus olhares e deslegitimação.
O relatório do IMS comprovou (mais uma vez) que as mulheres estão sendo cada vez menos incluídas no cenário da música eletrônica – contrariando o que dizem por aí. Os dados mostraram que a contratação de DJs do sexo feminino para eventos caiu de 21% para 15% no ano passado, enquanto os homens viram sua agenda crescer 1,7 vezes mais rápido comparado a elas. Além disso, 67% das entrevistadas afirmaram que sentem uma pressão contínua para ter uma boa aparência dentro da cena, já apenas 14% do sexo masculino convive com esse sentimento.
Não só esse recente estudo expõe essa realidade – o Resident Advisor, um dos maiores veículos globais voltados à Dance Music, mostrou que apenas 6% dos produtores musicais são mulheres.
Incontestavelmente nós vivemos em uma indústria com um enorme desequilíbrio de gênero. Muitos são os movimentos e figuras que surgem para mudar esse cenário, mas uma renovação real na cena eletrônica ainda é uma realidade distante, e precisamos virar nossa atenção a isso!
Tech House segue dominante, novas tendências surgem e gêneros resistem
Nos últimos cinco anos, a cena de música eletrônica foi invadida por uma vertente que não deve sair do topo tão cedo. O Tech House, promovido por nomes como Fisher, Chris Lake, Dom Dolla e Vintage Culture, demostrou-se uma tendência imparável, sendo líder no Beatport (maior mercado online de Dance Music) durante todo o ano de 2021 e 2022.
O gênero tem ganhado suporte por todos os cantos, adentrando os mais diversos cenários, do underground ao mainstream. Não é coincidência que as tracks mais tocadas dos últimos anos na cena eletrônica são de tech house.
Vale ressaltar que os quatro gêneros mais vendidos da cena são oriundos do House e do Techno, demonstrando o domínio desses dois movimentos. Além disso, a rápida ascensão do ‘Dance/Electropop’ e Indie Dance, em contraste à queda do Trance e Deep House, refletem a mudança cultural da música eletrônica atual, na qual novas tendências têm surgido e sonoridades estão em constante metamorfose.
Evidentemente, influências mais ‘comerciais’ sempre tendem a se popularizar na grande massa, mas não podemos deixar de falar das comunidades fieis, que resistem à nova geração musical. O Drum and Bass é um ótimo exemplo disso: de 2019 para cá, o gênero tem se mantido no Top 5 entre os mais vendidos no Beatport, expressando sua força na cena eletrônica desde meados dos anos 90.
O setor de Dance Music é um dos principais da música global
O panorama geral do relatório trouxe uma surpresa incrível para nós: a Dance Music é um dos setores fundamentais para a indústria musical.
A cena eletrônica alcançou uma receita impressionante de US$ 11,3 bilhões (cerca de R$ 53,9 bilhões), um crescimento de 34% em relação a 2021, e 16% superior comparado a níveis anteriores à pandemia. Essa evolução meteórica prova mais uma vez que a nossa indústria não só se recuperou das sequelas da Covid-19, como entrou em uma era histórica de renovação.
A contribuição do setor de música eletrônica para a música global é sem precedentes, e as expectativas para o futuro são as melhores possíveis.
A sociedade tem cada vez mais desconstruído a mentalidade de que "música eletrônica é barulho" à medida em que a cena influencia, cada vez mais, os diversos âmbitos sociais, culturais, econômicos e, por vezes, até político.
Para conferir o relatório completo ‘IMS Business Report 2023’ basta acessar este link.
Imagem de capa: Divulgação.
Sobre o autor
Caio Pamponét
Graduando em jornalismo pela UFBA e Redator da Play BPM. Um apaixonado por música desde a infância que cultiva o sonho de viajar pelo mundo fazendo o que ama e conhecendo novas culturas. Com um desejo inerente de fomentar a cena eletrônica de sua terra - Salvador, BA, Caio Pamponét respira os mais diversos BPM's e faz da música o seu combustível diário.