Kx5: conheça o projeto de Kaskade e deadmau5 que vem quebrando recordes
- Por Caio Pamponét -
Eles são dois dos mais respeitados artistas da música eletrônica global. Com suas consolidadas e prestigiadas carreiras, agenda de shows lotada e discografias recheadas de clássicos atemporais, Ryan Raddon (Kaskade) e Joel Zimmerman (Deadmau5) são aquelas figuras que, para muitos, dispensam até apresentações.
Para além de DJs e produtores de um mesmo mercado, ambos nutrem uma amizade que já se estende há quase duas décadas. E quem diria que a união de dois artistas com projetos distintos, carregando sonoridades diversas e personalidades bem opostas daria tão certo!
De um lado, um cara descontraído, pai de três filhos, religioso e abstêmio de álcool e fumo. Do outro, um sujeito controverso, excêntrico, irônico e bastante polêmico. Foi assim, pela força do acaso, que os músicos se encontraram na caótica vida artística lá em 2008. Quinze anos se passaram e, em meio a colaborações históricas, sets B2B e encontros no estúdio, decidiram finalmente oficializar a improvável parceria com o projeto Kx5 (lê-se Kay-Five).
Mas antes de falarmos sobre como tudo isso começou, que tal conhecermos um pouco mais sobre as mentes responsáveis por trazer o Kx5 aos holofotes mundiais de forma meteórica?
Kaskade
Nascido no ano de 1971 em Illinois, nos Estados Unidos, Ryan Raddon tem notáveis 52 anos de idade – mas com uma vitalidade invejável. Carregando mais de 30 anos de bagagem como DJ e 20 como produtor musical, Ryan vem de uma família bastante influenciada pela música, um dos motivos para sua adolescência ter sido marcada por visitas frequentes à Gramaphone, uma tradicional loja de vinis de Chicago.
Aos 19, começou a treinar discotecagem em seu quarto da universidade nas horas livres. Após voltar de uma missão religiosa de dois anos pela Igreja Mórmon, se mudou para Salt Lake, onde administrou uma loja de discos e conheceu sua esposa. Nessa época, o artista realizava suas próprias festas mensais, investindo a grana que lucrava na montagem de um estúdio.
A virada de chave veio no início dos anos 2000, quando se mudou para São Francisco e conseguiu um emprego de A&R pela gravadora de House Music, Om Records. Por coincidência do destino, a cidade onde morava viveu a eclosão de um novo movimento da cena eletrônica mundial, o Deep House.
A emergente vertente serviu para a construção de sua identidade sonora e o inspirou a criar seu projeto artístico: Kaskade (nome advindo das ‘cascatas’ das cachoeiras).
De lá para cá, Kaskade foi evoluindo sua sonoridade, incrementando cada vez mais elementos melódicos e progressivos em suas produções. Hoje, o veterano já acumula impressionantes 10 álbuns de estúdio, mais de 80 singles, 7 nomeações ao Grammy, 2 prêmios de ‘Melhor DJ da América’ e um patrimônio estimado em 50 milhões de dólares, tornando-o um dos 20 DJs mais ricos do mundo.
Deadmau5
Nascido em 1981, nas Cataratas do Niágara, Canadá, Joel Thomas Zimmerman teve aulas de piano quando criança e cresceu viciado em videogames e computadores. Logo aos 15 anos, inspirado por seus jogos, começou a brincar de fazer músicas influenciadas pelo chiptune, um tipo de música eletrônica gerada por sintetizadores acoplados em arcades, consoles e PC’s antigos.
Após se formar na universidade, decidiu trabalhar como programador para uma empresa de licenciamento de música online, podendo unir suas duas paixões: tecnologia e música. O que poucos sabem é que ele esteve na equipe de programação da Image Line (empresa que criou o FL Studio), contribuindo na parte de design. Joel também trabalhou em um programa de rádio em sua terra natal, o que o ajudou a dominar várias ferramentas de áudio digital.
Foi nesse período, em 2002, que ele adotou seu apelido Deadmau5, antes mesmo de pensar em ser artista. Tudo começou quando Joel encontrou um rato morto dentro de seu computador enquanto trocava a placa de vídeo. A resenha rapidamente tomou conta de seus chats da Internet, e os usuários começaram a chamá-lo de “dead mouse” (rato morto). Entrando na onda, Zimmerman estilizou seu nickname nas redes como Deadmau5 – o que viria ser a marca registrada de seu projeto artístico.
Aprimorando cada vez mais suas habilidades de produção musical e reunindo seu conhecimento com softwares e hardwares de música, Deadmau5 deu o passo inicial lançando seu primeiro álbum de estúdio em 2005 – o ‘Get Scraped’, carregado com uma pegada bem experimental, com influências do Big Beat, IDM, House e Downtempo.
O ano de renovação foi 2008, com seu lendário “Random Album Title”, quando se encontrou no Progressive House e tornou-se uma das maiores referências da cena eletrônica global. Dono da renomada gravadora Mau5Ttrap, Deadmau5 acumula 15 prêmios, 42 indicações, 9 discos de platina e duas vezes Top #4 do mundo pelo ranking da DJ Mag.
Ah! E não tem como falar do “rato” mais famoso da música sem lembrar de suas tretas. O cara já cutucou vários artistas no Twitter, de Swedish House Mafia a Skillex até Kanye West e Lady Gaga. Sem contar de seus processos com a Ferrari e Disney, que o acusou de plágio por causa de seu capacete de Mickey.
Mesmo diante de tanta polêmica, Joel é uma das figuras mais visionárias e dedicadas da cena eletrônica, evoluindo seus shows ao vivo para o mais alto nível tecnológico com sua criação, ‘Cube’ – um cubo 3D rodeado de LEDs capaz de girar em 360º e fazer projeções realísticas. Ele é um verdadeiro gênio da tecnologia que se encaixou perfeitamente no mundo da música.
A improvável união
Antes de se conhecerem, Kaskade e Deadmau5 cresciam em épocas diferentes, seguindo sonoridades características de cada um. Como surgiu, então, esta parceria de quase 20 anos?
A história começa em 2006. Deadmau5 lançava a track "Faxing Berlin", um Progressive House clássico que chegou ao Top #6 do chart 'Dance Club Songs' da Billboard. Por dentro do que rolava na cena eletrônica global, Kaskade ficou encantado com a inovação sonora trazida por Joel. Reunindo melodias, letras com profundidade e uma sonoridade que ninguém fazia na época, tudo que Deadmau5 lançava chamava atenção.
Foi aí que Kaskade entrou em contato com Mau5, derramando elogios e pedindo para que fizessem algo juntos. Em meio aos backstages da vida de artista, eles começaram a se ver pelos festivais e aeroportos aleatórios - era o início da amizade de longa data entre os dois.
O sucesso colaborativo
Depois de muita enrolação, Kaskade e Deadmau5 finalmente colaboraram pela primeira vez em 2008.
A troca de ideias e a conexão artística foi tão íntima que o resultado não podia ser outro: duas collabs icônicas que marcaram a história da Dance Music - "Move For Me" e "I Remember".
Ambas as tracks traziam uma sonoridade única e inovadora, um House progressivo e melódico, com a presença de vocais imersivos de Haley Gibby, cantora que já havia feito trabalhos com Kaskade. As faixas chegaram ao Top #1 com apenas uma semana de diferença no chart de música eletrônica da Billboard, além de pegar um Top #40 nas rádios pelo mundo (a primeira vez que os artistas chegaram tão longe).
Mais especial ainda se tornou "I Remember", que é considerada um dos grandes clássicos da música eletrônica, conquistando dois certificados de Ouro e estando presente no álbum mais importante da carreira de Mau5, o "Random Album Title".
A consolidação da parceria: nasce o Kx5
Sempre que Kaskade tocava "I Remember" nos seus sets ao redor do mundo, o público ia à loucura. Nos encontros esporádicos entre ele e Mau5 pelos backstages dos festivais, a vontade de fazer algo juntos era nítida.
Focados em seus projetos individuais e fechando turnês todos os meses, a ideia nunca foi posta em prática... Até chegar a pandemia.
Com a pausa dos eventos, trancafiados em casa e dispondo de muito tempo livre, o tédio começou a tomar conta. Foi aí que Kaskade ligou para Deadmau5 para oficializar a parceira que já se estendia há quase 20 anos. A dupla sabia que esse novo projeto que nascia seria algo descontraído, que não fariam por necessidade, mas por livre e espontânea vontade e diversão.
Sem a menor pretensão de produzir um álbum, os dois foram trocando e-mails e compartilhando produções à medida que as faixas iam tomando forma ao longo da quarentena. Após terminarem um EP, perceberam que seria possível transformar aquilo em algo maior, que unisse todas aquelas colaborações em um lançamento especial.
A estreia meteórica
Para criarem um hype e cativar uma maior parcela de ouvintes, a dupla decidiu lançar 6 singles antes de soltar o álbum completo.
Em março de 2022, o projeto Kx5 foi oficialmente anunciado juntamente com o lançamento global de seu primeiro single: "Escape". Quem escuta ele sente logo uma nostalgia do clássico "I Remember" - e a intenção foi exatamente essa.
Após receber a primeira versão de uma demo produzida pelos compositores britânicos Camden Cox, Will Clarke e Eddie Jenkins, o experiente mau5 enviou para Kaskade dizendo "vamos deixá-la com cara de 'I Remember', manter um pouco daquela vibe do início dos anos 2000.".
Inspirados por esse conceito, "Escape" foi lançada com uma pegada de House Melódico e representou o retorno triunfal de uma parceria icônica. Tanto a crítica como os fãs saudaram a track, que não demorou para virar um hit, alcançando o Top #1 do chart 'Dance Mix Show/Airplay' e o Top #11 no ranking geral de Dance Music da Billboard, além de acumular 80 milhões de streams no Spotify.
Álbum 'Kx5', uma prova de readaptação
Após "Escape", vieram outros singles de sucesso, como "Take Me High", "Alive" (com The Moth & The Flame) e "When I Talk" (com Elderbrook). Agora, um ano depois estrear na indústria musical, Kx5 soltou sua obra-prima que reuniu a experiência de décadas e firmou a união entre deadmau5 e Kaskade - o álbum "Kx5".
Reunindo sons criativos, somando influências clássicas e progressivas de cada um dos produtores, o álbum é um mix perfeito entre a sonoridade individual dos artistas com um toque refinado de nostalgia.
Trazendo referências do Melodic House e do Techno, a jornada sonora de "Kx5" é uma viagem entre eras. Ao mesmo tempo que é underground e experimental, soa radiofônico e é lapidado para os ouvidos do mainstream. A obra de 10 músicas nos mostra que até mesmo os veteranos precisam inovar, abraçar novos sons e se readaptar.
O resultado dessa experimentação não podia ser melhor: um Top #6 no chart de Dance Music da Billboard e mais de 130 milhões de streams no Spotify. Mais um marco na carreira prestigiada de mau5 e Kaskade.
O processo criativo
Muitos imaginam que, para um projeto desse funcionar, são necessárias várias sessões de estúdio, com horas a fio mergulhados em frente a um computador, quebrando a cabeça para encontrar uma identidade sonora que agrade os dois produtores.
Mas, às vezes, simplicidade é a chave. Mesmo com uma longa amizade, Kaskade e Mau5 raramente sentaram-se juntos em um estúdio para criar músicas. Em meio a uma carga horária de shows pesada, responsabilidades diferentes e separados por mais de 3 mil quilômetros, os artistas sugerem ideias, trocam demos e conversam pela Internet.
A experiência também foi um elemento fundamental para que o Kx5 encaixasse. Kaskade é um hábil produtor, se destacando na composição, arranjo e estrutura - o lado mais musical. Já Deadmau5 está mais voltado para a masterização e engenharia de áudio - o lado mais técnico.
Inspirados um pelo outro, todo o processo de produção da dupla é baseada na experimentação. Os DJs e produtores não começam visando um resultado final específico, mas vão testando vocais, melodias e harmonias até chegarem em algo interessante.
"Eu não preciso dizer a ele o que fazer. Ele não precisa me dizer o que fazer e simplesmente funciona. Há uma confiança ali."
Comentou Deadmau5 em entrevista ao jornal americano StatesmanOs shows ao vivo: muita tecnologia, pouca discotecagem
As apresentações do Kx5 são recheadas de tecnologia, com lasers, pirofagia, leds, drones e tudo que um espetáculo tem direito.
Shows dessa magnitude geralmente funcionam sincronizando a música com os efeitos especiais, o que limita a experiência de mixagem ao vivo.
Sempre transparentes, o duo não esconde que ensaia e planeja seus sets metodicamente antes de subir aos palcos, para executar de forma consistente e bem encaixada.
"Seria muito estressante se tivéssemos que improvisar. Gosto que as coisas sejam resolvidas primeiro, depois vou para lá (nos palcos)... porque assim posso relaxar e não pensar muito sobre onde estamos."
Explicou Deadmau5 ao Austin American-StatesmanApesar disso, alguns equipamentos utilizados pela dupla durante os shows, como telas de projeção sensíveis ao toque, permitem que eles possam "brincar" com os efeitos de palco, dando um pouco de "improviso" aos sets.
A histórica apresentação no Coliseu: do caos ao livro dos recordes
O ano era 2010. deadmau5 e Kaskade faziam um B2B especial durante a última edição do Electric Daisy Carnival (EDC) em Los Angeles. Os dois se tornaram alguns dos últimos DJs a se apresentarem no Coliseum, o único estádio do mundo a realizar dois Jogos Olímpicos de Verão, sediar eventos do Super Bowl ao World Series, e receber shows de Rolling Stones a Pink Floyd.
Doze anos se passaram e o círculo foi fechado. No fim do ano passado, mau5 e Kaskade pisaram novamente no Coliseum como Kx5 para ser o primeiro grupo de música eletrônica a se apresentar no local após a reabertura de shows.
Mesmo com previsão de chuvas fortes e um apagão durante a apresentação, o show definitivamente entrou para a história.
Após cerca de uma hora de set, a energia elétrica caiu quando um gerador superaqueceu e pegou fogo, deixando os quase 50 mil fãs da pista sem luz e sem música. Tinha tudo para ser um pesadelo: as nuvens de tempestade chegavam e não havia nenhum sinal do show voltar. Meia hora se passou e a situação foi resolvida. Mesmo com o perrengue, o espetáculo continuou (e compensou!).
Design de palco inovador, lasers, paineis de LED gigantescos, CO2, chamas, fogos de artifício, 300 drones e convidados especiais transformaram aquele 10 de dezembro de 2022 em uma noite de recordes: foi o maior show solo de música eletrônica da história da América do Norte e o show solo de Dance Music mais vendido do ano.
Tocando clássicos individuais como "The Veld", "Ghosts N Stuff", "Disarm You" e "I Remember" até o hits atuais do Kx5, como "Escape", "Alive" e "Take Me High", o long-set de 2 horas encantou o mundo e rendeu quase 4 milhões de dólares para as lendas. A chuva, que tinha tudo para cair, só apareceu depois que o show já havia terminado, deixando a apresentação ainda mais especial.
O futuro do Kx5
Mesmo após um sucesso meteórico na cena eletrônica, conquistando milhões de streams, batendo recordes e atraindo os olhares globais, o Kx5 tem validade.
Em entrevistas, deadmau5 e Kaskade deixam claro que não estão preocupados em alongar a trajetória desse projeto.
"Sem dúvida, é uma espécie de pequeno complemento do que cada um de nós faz. Podemos nos divertir e não precisamos nos preocupar com o futuro existencial do Kx5 como fazemos em nossas carreiras individuais"
Declarou a dupla em entrevista ao Los Angeles Daily NewsDe fato, Kaskade e Deadmau5 são vanguardistas da nova era da Dance Music e têm suas carreiras solo já consolidadas e respeitadas. A criação do Kx5 foi feita para ser especial, para os fãs, sem se preocupar com fama ou lucro.
É com essa leveza, sem uma carga de pressão, que a superparceria entre dois nomes gigantes da indústria musical vem deixando sua expressiva marca na cena eletrônica mundial - e em nossos corações.
Imagem de capa: Divulgação.
Sobre o autor
Caio Pamponét
Graduando em jornalismo pela UFBA e Redator da Play BPM. Um apaixonado por música desde a infância que cultiva o sonho de viajar pelo mundo fazendo o que ama e conhecendo novas culturas. Com um desejo inerente de fomentar a cena eletrônica de sua terra - Salvador, BA, Caio Pamponét respira os mais diversos BPM's e faz da música o seu combustível diário.