Afro House: desvendando a história por trás do movimento musical mais hypado do momento
Conteúdo autoral - por Caio Pamponét
O que é esse tal de Afro House que tá todo mundo comentando por aí? Esse som chegou nas maiores festas e paradas musicais da cena eletrônica global como uma onda, encabeçado por estrelas como Black Coffee, Keinemusik, Maz, Curol e Antdot. Se você reconheceu esses nomes, é bem provável que já escutou a sonoridade que vem conquistando os quatro cantos do planeta.
Para entender o sucesso por trás desse movimento, precisamos voltar na sua origem, onde ele genuinamente criou suas primeiras raízes.
A África e o Apertheid
A África do Sul passou por um dos regimes políticos mais repressores de toda a história. O ‘Apartheid’ silenciou, segregou e perseguiu a enorme população negra que vive no continente. Após quase 50 anos de luta e resistência, o governo racista caiu somente em 1994, época em que a House Music explodia no mundo inteiro com uma essência perfeita para o povo sul-africano: a libertação.
Foi aí que o House se espalhou pelo país, adentrando as rádios, TVs, festas e até supermercados. No ano de 1997, a estação de rádio Y.F.M. levou esse som para o cotidiano das pessoas, tornando-se parte da cultura popular (ou ‘mainstream’) sul-africana.
Logo ao fim do Apartheid, Vinny Da Vinci e Tim White, dois pioneiros da música eletrônica na África do Sul, se uniram para criar a primeira label de House do país, a 'House Afrika'. Quatro anos depois, a icônica gravadora lançou sua histórica compilação “Fresh House Flava”, disco que continha 12 tracks e alcançou as maiores paradas musicais sul-africanas, conquistando um disco de platina no primeiro dia de lançamento. Naquela época, estes CDs venderam incríveis 250 mil cópias.
Como um verdadeiro divisor de águas, a compilação redefiniu a House Music por lá, inspirando vários artistas a criarem seu próprio som e expressar sua cultura e vivência através da energia única da música eletrônica que era disseminada pelo país.
Em cidades como Pretória, Joanesburgo, Durban e Cidade do Cabo, ritmos e melodias da África agora imergiam e ressoavam nas batidas eletrônicas do Kwaito, gênero musical africano que também surgiu com a chegada do House, tocada num ritmo mais lento. Essa mistura gerou uma nova sonoridade, uma nova expressão musical – o Afro House. Entre os pioneiros que pavimentaram e abriram caminho para este novo movimento estão: DJ Christos, Oskido e os já citados Vinny Da Vinci e Tim White.
Expansão internacional:
Projetos como o ‘Brothers of Peace’ (B.O.P.), criados pela galera da House Afrika, foram os pioneiros a expandirem o Afro House para além dos limites geográficos da África do Sul.
Em 2002, o B.O.P. estreitou laços com o Masters at Work, dos Estados Unidos, dupla composta por nada menos que os ícones Louie Veja e Kenny Dope, lançando juntos o single “Zabalaza”.
Aos poucos esse som ritmado e intenso, com percussões tradicionais africanas e poderosos vocais foi conquistando espaço ao redor do mundo. Em clubes como o 'Tribe' em Londres, 'Djoon' em Paris e 'The Shelter' em Nova York, o Afro House chegava com uma pegada extremamente rica e diferenciada nas pistas – e o público se amarrou.
A virada do século foi marcada também pela crescente influência africana nos trabalhos de nomes estrelados da cena eletrônica, como Bob Sinclar, que compilava tracks para o projeto "Africanism All Stars", colaborando com artistas africanos; e Angelos (ex-DJ Angelo), que convidava DJs sul-africanos para suas renomadas festas 'Global Fantasy'.
O abraço do mercado:
A partir de 2010, nomes fundamentais como Da Capo, Black Motion, Aluku Rebels, Culoe De Song, Caiiro (e óbvio), Black Coffee contibuíram na disseminação do Afro House para o mundo.
Nessa época, a Europa começou a entender que esse som vinha com um potencial enorme para ser explorado. Chefes de gravadoras internacionais criaram suas marcas voltadas especialmente para a sonoridade, como a MoBlack (Itália), RISE (Alemanha) e Aluku/DM. Recordings (Reino Unido).
Em 2013, a Traxsource, uma das maiores plataformas de música eletrônica, introduziu o Afro House como uma de suas categorias. Já o Beatport, a maior loja online de Dance Music do planeta, inseriu o subgênero no ano de 2017.
Nesse mesmo ano, Londres foi a casa da primeira estação de rádio dedicada 100% ao Afro House - 24h por dia, 7 dias por semana. A "Drums Radio" é executada pela The Beat London 103.6 FM, a única emissora de rádio de propriedade de negros em todo o Reino Unido. Ela abriga hoje mais de 50 programas semanais e audiência mensal que ultrapassa mais de 50 mil ouvintes.
Já no ano de 2019, o Afro House figurou entre as 100 maiores vendas do ano pela Traxsource.
Em 2021, a estrelada gravadora britânica de House Music, Defected Records, lançou uma sublabel exclusiva para Afro House, a "Sondela". Naquele ano, a vertente foi impulsionada por nomes gigantes da indústria, como Diplo, Vintage Culture e David Guetta, trazendo uma maior visibilidade para artistas que já produziam o som antes mesmo da sua popularização e atraindo novos públicos.
Black Coffee como figura essencial:
Não tem como falar de Afro House sem comentar sobre Black Coffee. Sem dúvidas ele é o mais representativo artista desse movimento musical. Vencedor de Grammy, o sul-africano desempenhou um papel fundamental na popularização da vertente.
Atuando na cena eletrônica desde 1994 e sempre valorizando a essência cultural de sua terra, o sul-africano lançou sua primeira track em 2002 e desde então já acumula 9 álbuns de estúdio, dezenas de discos platinados e mais de 300 milhões de streams. Foi ele o responsável por introduzir o Afro House para o ‘mainstream’, levando a sonoridade para os mais variados públicos do mundo da música.
O astro começou a explorar o ritmo na década de 90, mas só a partir de 2010 começou a estabelecer a sonoridade e difundi-la de vez. Em 2017, colaborou com o astro Pop Drake em “Get It Together” no álbum “More Life”, que entrou na lista da Billboard e Rolling Stone como um dos 50 melhores daquele ano. Já em 2022, Black Coffee co-escreveu e co-produziu outras três tracks de Drake no álbum “Honestly, Nevermind”, que foi uma òde à House Music. Ele também já realizou trabalhos com Usher e John Legend, quebrando barreiras musicais e provando ser um nome revolucionário na cena musical de seu país.
Influências musicais:
Como já dito, além de inserir elementos presentes na cultura africana (bongôs, congas, claves e djembês), o Afro House que conhecemos atualmente incorpora uma mistura de diversas outras sonoridades, como o Kwaito, Tribal, Deep, Organic e Soulful House, embora tenha seu próprio estilo único. É um som marcado pela inovação e autenticidade, unindo ancestralismo e futurismo.
Características sonoras:
Explicar algo que muitos consideram “espiritual” fica até difícil. Mas o Afro House, para muitos de seus fãs significa justamente isso: a autoexpressão que toca a alma dos ouvintes. Em sua essência, ele carrega o sentimento de seu povo, trazendo desde vocais suaves até cantos étnicos africanos que falam sobre dor e sofrimento, mas também de celebração e amor.
Na prática, diferenciar o Afrobeat, Amapiano e Afro House sempre foi complicado, mas com o passar dos anos este último foi adquirindo cada vez mais elementos eletrônicos em sua composição, sendo mais melódico e profundo.
A fundamental presença feminina:
Não basta falar apenas dos DJs e produtores que peregrinaram o Afro House ao redor do mundo. Temos que ressaltar também o papel essencial que as cantoras tiveram nesse processo – elas são praticamente a “espinha dorsal” da Afro House.
Para citar algumas vozes poderosas que marcaram a história da vertente, temos:
- Anané Vega, de Cabo Verde, que já acumula quase 2 décadas de carreira, turnês mundiais e apresentações no Super Bowl, sendo também dona da gravadora NULU Music, com 15 anos de estrada;
- Lizwi, da África do Sul, com mais de 300 mil ouvintes mensais e colaborações com THEMBA e Ahmed Spins, no hit atual “Waves & Wavs”;
- Awen, senegalesa que já entregou seus vocais em trabalhos com Black Coffee, Adam Port, Floyd Lavigne e Caiiro;
- Msaki, sul-africana com uma discografia rica de 4 álbuns, inúmeros singles e trabalhos com Diplo, Major Lazer, Black Motion e Black Coffee.
Cena brasileira em ascensão
Se engana quem pensa que o Afro House é recente em nosso país. Esse som misturado, com influências de ritmos tribais e orgânicos chegou aqui através de comunidades africanas que residiam pelo Brasil em meados de 2009. Um desses nomes é Joss Dee, artista que veio morar no Rio de Janeiro em 2013 e desde então se dedicou a produzir essa sonoridade. Hoje em dia, o angolano fomenta outras vertentes com raízes similares, como o Afrobeat e o Amapiano.
Projetos como o Drunky Daniels abraçaram a sonoridade ainda lá em 2019, lançando o álbum "Zamumba", com 13 tracks voltadas para a vertente. Desde então, o percurso do Afro House em nossa terrinha só tem crescido, atingindo o ápice em 2023 com uma nova leva de artistas nacionais espalhando seu som para além dos oceanos.
Nomes como Maz, Antdot, Curol, Riascode, Soldera e Mezomo seguem batendo recordes na carreira, impulsionados por produções originais que valorizam a cultura brasileira e aderem ao som super envolvente do Afro House.
Para se ter ideia, Maz e Antdot se tornaram os artistas mais vendidos da vertente no mundo após emplacar uma sequência de hits no Beatport. Uma conquista que coroa a renovação sonora que ambos trouxeram para o mercado da música eletrônica nacional.
E o que ele é hoje?
Atualmente o Afro House é um verdadeiro movimento musical. Com sua ascensão, existem gravadoras, artistas e agências oriundas e baseadas em vários países africanos, como o Quênia e a África do Sul. Ainda que não tenha a mesma visibilidade que outros mercados e com recursos limitados, a cena eletrônica africana está despontando e dando oportunidades nunca antes vistas para os novos talentos que surgem por lá – tudo isso graças ao Afro House.
E como tudo na vida é mutável, a vertente não fica de fora disso. Hoje em dia, novas variáveis têm surgido no mercado, incorporando elementos do Progressive, Organic, Tribal House e até mesmo o Techno. Labels como a MoBlack, Nulu, Rise, Vega Records e Stil Vor Talent seguem promovendo intensamente a sonoridade com lançamentos de destaque nos charts. Figuras como o Keinemusik, Maz, Curol, Antdot, Black Coffee se mantém no auge de suas carreiras. Astros Pop têm inserido elementos africanos em suas faixas. Um som que antes era "underground" e produzido apenas por DJs da África agora é exportado mundialmente por artistas de diferentes nacionalidades.
A nova onda do momento é o Afro House... e ele veio pra ficar.
Imagem de capa: Reprodução.
Sobre o autor
Caio Pamponét
Graduando em jornalismo pela UFBA e Redator da Play BPM. Um apaixonado por música desde a infância que cultiva o sonho de viajar pelo mundo fazendo o que ama e conhecendo novas culturas. Com um desejo inerente de fomentar a cena eletrônica de sua terra - Salvador, BA, Caio Pamponét respira os mais diversos BPM's e faz da música o seu combustível diário.