Savanah: estreia de Black Coffee em São Paulo entrega tudo o que tinha prometido, e muito mais
Sabe aqueles rolês que você fica tão imersa na experiência, que de repente amanhece, a música acaba e as pessoas à sua volta estão falando em rachar o uber e tudo o que você consegue fazer é ficar olhando ao seu redor, pensando “o que foi que aconteceu? Para onde o tempo foi?”. Então, foi assim minha madrugada de sexta para sábado na festa Savanah que rolou no Vale do Anhangabaú, com a estreia de ninguém mais ninguém menos que Black Coffee em São Paulo.
Acredito que para que esse review faça sentido para você, leitora ou leitor, eu preciso começar com duas contextualizações importantes: primeiro com a mais impessoal, só para ser mais fácil de engatar o texto.
A primeira apresentação do super DJ sul-africano na capital paulista foi um dos eventos adiados lá em 2020 com o começo da pandemia. A partir daí foram dois longos anos de espera para todos os amantes da boa música eletrônica, afinal, a chance de testemunhar o set de um artista como Black Coffee é extremamente especial, marcando não só a história pessoal dos presentes, mas também da cena eletrônica da cidade. Foi até poético o evento acontecer na semana da liberação do uso de máscaras em locais fechados na cidade de São Paulo
A segunda contextualização importante é que este foi o meu primeiro grande rolê na cena eletrônica. Foi a primeira vez que tive o privilégio de participar de uma festa deste gênero e posso, com bastante convicção, escrever que tive sorte em alinhar a minha estreia na cena com a de Black Coffee na cidade.
Enfim, este não vai ser um review muito técnico dos sons que rolaram no Vale do Anhangabaú na sexta e no começo de sábado, ainda estou engatinhando para isso. Ao invés dos nomes das tracks e as recordações dos melhores drops, eu quero tentar passar para você a sensação de viver tudo isso pela primeira vez: o cenário, a energia, o set, a companhia, tudo.
A chegada no Vale do Anhangabaú já é um espetáculo à parte dentro de São Paulo. O local foi reformado em 2021 e recebeu uma estrutura especial para a festa Savanah, projetada por Fuad Hajjat (responsável pelos designs de eventos como BDSM e S.O.M. Festival), que transportava a gente para uma outra dimensão. A sensação que dava era a de entrar em um aquário: dentro dele você curtia um ambiente imerso na música eletrônica, mas, ao olhar em volta, pelo teto transparente da estrutura e lados vazados, víamos a sincronia da selva de pedra paulistana com seu centro histórico, iluminado pelo amarelo do Teatro Municipal.
Parte fundamental desse ambiente que a festa proporcionava estava em sua decoração, que fazia com que nós nos sentíssemos realmente dentro de uma savana, com folhagens verde escuras espalhadas pela pista e decorando a frente do palco e uma estrutura atrás da área de backstage com vários vasinhos pendurados, assemelhando-se à um jardim vertical. Como se todo esse verde não bastasse para a sensação de respiro em meio à tanto concreto, os presentes foram surpreendidos com performers caracterizados como animais da selva: tigres, leões, zebras e girafas passeavam pela pista, mostrando que realmente estavam em seu habitat natural.
Até São Pedro se preparou para a festa e deu uma trégua da chuva que vinha marcando presença em São Paulo a semana inteira, presenteando a galera com um céu limpo, cuja cereja do bolo foi uma linda lua cheia, banhando a festa com boas energias.
Logo de cara, entrando no evento, foi possível perceber o respiro aliviado de “finalmente” dos presentes, uma sensação de liberdade em volta, pelo simples fato de poderem estar lá, aproveitarem e se sentirem vivos. E conforme a estrutura ia enchendo, cada vez mais sorrisos eu testemunhava à minha volta.
Foi essa energia que mais me surpreendeu. É difícil levar a sério quando lemos sobre a vibe do rolê, dá aquela pulga atrás da orelha de “será que é isso mesmo?”. Bom, podem acreditar - já que a autora tem a tendência de ser um pouco cética às vezes (eu culpo o sol em virgem, mas, enfim) - essa coisa de energia incrível e vibes indescritíveis é real oficial.
A sensação de bem-estar, felicidade e amor à música pelos presentes teve um efeito embriagante, e acredito que foi um dos culpados pela minha perda de noção do tempo: foi chegar, me maravilhar com o cenário, curtir o som e, de repente, o sol nascendo. Não me entendam mal, eu lembro das músicas, de passear pela pista, ir até lá na frente ficar bem do ladinho das caixas de som só sentindo aquele reverberar dentro do peito - tem sensação mais gostosa do que essa? Lembro de conversar, dar risada, dançar, tirar fotos… mas está tudo condensado naquilo que a gente sente quando pensa em uma lembrança que vem grudada com um sorriso, e não necessariamente muito bem articulada em palavras.
Eu acredito que essa noite ficará gravada na memória de todos os presentes pela genialidade de Black Coffee e a sua marcante presença. Foi fácil perceber quando ele assumiu a pista, e, de cara, realmente entendi o que as pessoas querem dizer com a expressão “maestro de pista”. Durante todo o set realmente fui “regida” pelo DJ: sabe quando você senta em uma montanha-russa pela primeira vez? Ou quando vai de passageiro por um caminho que você nunca viu antes? Foi essa a sensação que tomou conta de mim, eu estava lá de pé no meu lugar na pista de dança, com o cinto preso na cintura e a ansiedade de saber para onde iria ser levada. E assim que o set começou meus pés criaram vida própria seguindo o caminho traçado pelas batidas pesadas que Black Coffee entregou (a prova disso são as bolhas que estão aqui comigo até agora. É sério, não usem salto em um rolê de eletrônica, por mais confortável que vocês achem que o par seja, quem avisa amiga é).
Assisti-lo comandar a CDJ era a personificação do cool. Acho que uma grande parte dessa impressão que ele passa se dá pelo fato de tocar apenas com o braço direito. Black Coffee perdeu o movimento do membro esquerdo quando foi atropelado aos 13 anos, durante a celebração de libertação de Nelson Mandela. Um parênteses: descobri isso ao pesquisar a vida do DJ, e foi um fato que me chocou e ficou comigo durante toda apresentação.
E isso foi o maior diferencial da minha experiência no dia 18 de março, a concretização de uma figura cuja carreira de mais de 30 anos é tão expressiva e cheia de marcos singulares. Juntar a imagem criada durante a pesquisa com a presença imponente logo ali na minha frente ficou no limiar entre o acreditável e o inacreditável.
Escrevendo este texto, uma coisa que definitivamente aprendi, e que mais importante do que saber diferenciar quantidades de BPMs, se estava escutando Techno, Melodic, ou House, quantos anos de carreira o DJ tem ou em quais clubes ele já tocou, é estar aberta para sentir a vibe do rolê. Isso porque a estrela da festa é a energia que flui e conecta todo mundo na pista de dança, suspendendo o tempo e envolvendo a gente em uma bolha especial demais.
Com isso, posso concluir esse review com duas certezas bem clichês. A primeira é a de que todo mundo deveria passar por essa experiência uma vez na vida, independente do gênero musical favorito: escolha uma galera com quem você se sinta bem e vai aproveitar o rolê até o sol nascer. Não precisa conhecer o artista, nem precisa ser alguém tão famoso, só permita-se passar por essa experiência que tem todos os motivos do mundo para ser tão única e libertadora.
A segunda e última certeza é: depois dessa noite, este com certeza não será o último review meu sobre um rolê de eletrônica que você lerá.
Texto escrito por Pamela Furquim.